Apodrecimento cerebral é a tradução livre de brain rot, escolhida como palavra de 2024 pela Universidade de Oxford, na Inglaterra. Bastante comum nas redes sociais, o termo busca dar nome ao processo que o cérebro sofre quando há consumo excessivo de conteúdos pouco desafiadores, principalmente online. O hábito, segundo especialistas, pode afetar o intelecto e a saúde mental.
— Não é que o cérebro esteja, de fato, apodrecendo. Mas o cérebro é um órgão plástico, que tem neuroplasticidade, e que se adapta ao contexto no qual está inserido e ao tipo de estímulo que recebe. Com o brain rot, é como se o cérebro deixasse de exercitar certas áreas. E por isso, sofre um definhamento, uma precarização de habilidades que seriam naturais, mas que, se você não estimula, você perde ou não desenvolve — explica a neurocientista Ana Carolina Souza.
Entre as habilidades que podem ser enferrujadas pelo hábito, a especialista cita a capacidade de concentração e de sustentar a atenção. A partir disso, podem surgir problemas relacionados a questões emocionais, como dificuldade de fazer a autorregulação, de autoestima, de exercitar a empatia e de sentir prazer com coisas simples.
A neurocientista exemplifica que uma pessoa que costuma consumir conteúdos pouco estimulantes pode ter dificuldade para ler um livro, porque não consegue se manter engajada em uma tarefa menos prazerosa. Ela acrescenta que, quando a atenção começa a falhar, outras competências cognitivas e emocionais que também são geridas por essa região cerebral, chamada de córtex pré-frontal, são afetadas.
— O que estamos vendo é que quando as pessoas não exercitam ou não entregam conteúdos que ajudam a exercitar as conexões dessa região, algumas habilidades ficam comprometidas. Começamos a ter dificuldade de criar planejamentos e de resolver problemas. Ou passamos a escolher conteúdos cada vez mais simples, que não apresentam nenhum desafio, porque não conseguimos lidar com nada complexo.
Os conteúdos considerados triviais podem ser facilmente encontrados nas redes sociais. Vídeos curtos, que geram emoções fortes, com memes, fofocas e entretenimento marcam esse tipo de publicação. Para a psicóloga e professora da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Karen Szupszynski, o hábito pode ser explicado pela sensação positiva que esses materiais causam no cérebro:
— É uma interpretação de que é uma coisa que me gera algum conforto, alguma satisfação. E mesmo que seja, às vezes, um conteúdo pouco desafiador, de alguma maneira gera uma recaptação de neurotransmissor que vai gerar uma sensação positiva, e isso faz com que fiquemos (no vídeo, na internet). O sistema de recompensa cerebral é o mesmo para tudo, tipo quando consome açúcar ou uma substância psicoativa. E esse lugar busca a renovação da recompensa.
Mudar exige esforço
Karen explica que, para transformar essa realidade, é preciso encontrar outras atividades que ativem o sistema de recompensas do cérebro. Para Ana Carolina, o primeiro passo é limitar o tempo de consumo desses conteúdos triviais. Ela relata que há aplicativos que oferecem relatórios sobre o tempo de tela e uma estratégia plausível é tentar reduzir esse tempo pela metade.
— Você pode tentar investir na leitura. Encontrar pessoas, para exercitar a empatia e a habilidade de comunicação. Você, pode, a propósito, ter um grupo de amigos para jogar jogos de tabuleiros, que são super envolventes. São coisas que você vai trazendo de volta, uma rotina offline. É estar desconectado, mas preencher esse tempo com outras atividades prazerosas e interessantes — sugere a neurocientista.
Foi depois de se conscientizar sobre os efeitos desse comportamento que a estudante Luane Raful, 18 anos, começou a publicar dicas de leitura nas redes sociais. Nos vídeos, em que ela escreve “artigos que li para não derreter meu cérebro no TikTok”, a jovem compartilha publicações longas e desafiadoras sobre diferentes assuntos que encontra na internet.
— Eu comecei a postar por sentir falta de consumir esse tipo de conteúdo. As redes sociais pegaram esse papel de gerar entretenimento fútil, o que eu não acho saudável. Cada vez mais, os conteúdos estão mais rápidos, menos desafiadores e mais alienáveis. E a gente construir uma comunidade com pessoas críticas, que leem, querem se informar e pensar, é muito legal — conta.
Os vídeos ultrapassam cem mil visualizações e, segundo Luane, a recepção do público é positiva. A estudante costuma pesquisar alguns temas na internet e tenta achar publicações interessantes, ou ainda, entra em alguns dos sites que já conhece e lê as postagens recentes.
Ana Carolina ressalta que nem todo conteúdo que está disponível na internet é trivial ou pouco estimulante. O esforço de Luane, por exemplo, é considerado positivo para mudar essa realidade.
— O mais importante do tempo total de tela é entender o que você está fazendo com esse celular. Se você ficou mais que meia hora vendo um conteúdo que não traz nada para a sua vida, eu diria que é suficiente. Já é tempo demais para você perder nesses conteúdos. É diferente de ouvir um podcast, que você vai aprender alguma coisa, de ver um filme. Então, a maneira como você usa a tecnologia é mais crítico do que o tempo.
Como evitar o brain rot
- Estabeleça limites para o tempo de tela
- Crie uma rotina fora das redes sociais
- Invista em hobbies offlines
- Opte por passar mais tempo com pessoas
- Priorize conteúdos de qualidade
- Quando online, escolha consumir podcasts, filmes ou leituras mais desafiadoras
- Exercite as capacidades de comunicação, planejamento e resolução de problemas
- Evite usar as redes sociais como válvula de escape para emoções negativas
Fontes: Karen Szupszynski e Ana Carolina Souza