A partir desta segunda-feira (4), o Ministério da Saúde começa a substituir as duas doses de reforço da vacina oral poliomielite bivalente (VOPb) – a famosa "gotinha" – por uma dose da vacina inativada poliomielite (VIP), injetável. Todos os Estados estão abastecidos com doses do imunizante que passará a ser o padrão – o Ministério da Saúde (MS) já distribuiu 1,6 milhão de doses para o país.
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) do Rio Grande do Sul possui 65,9 mil vacinas inativadas em estoque, segundo o ministério. O objetivo da mudança no combate à poliomielite – também conhecida como paralisia infantil – é alinhar o esquema vacinal às práticas adotadas por países como os Estados Unidos e diversas nações europeias, conforme o MS.
O novo esquema inclui três doses da VIP administradas aos dois, quatro e seis meses de idade (como já vinha ocorrendo), além de uma dose de reforço aos 15 meses. O MS enviou orientações aos Estados para que preparem os municípios para a implementação das novas diretrizes.
A partir desta segunda, apenas a vacina inativada deverá estar disponível nas salas de vacinação. As doses da vacina oral lacradas em estoque nos municípios serão recolhidas pelo Ministério da Saúde até 30 de novembro. Em Porto Alegre, esse material já foi devolvido à pasta estadual, conforme a Secretaria Municipal da Saúde (SMS).
Nos outros municípios gaúchos, todo o quantitativo já foi recolhido e centralizado para devolução ao ministério, de acordo com a SES, que informou que a política de vacinação é de responsabilidade do Programa Nacional de Imunizações (PNI), do MS.
Importância da mudança
A estratégia é preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), explica Juarez Cunha, pediatra e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) – a recomendação é de que todos os países utilizem apenas as vacinas inativadas contra a poliomielite. Contudo, alguns países menos desenvolvidos ainda não conseguiram efetuar a mudança. O Brasil já estava utilizando as três doses iniciais de vacina inativada e realizando os reforços com o imunizante oral, o que deixará de ser feito.
A mudança é importante pois a vacina oral traz o vírus atenuado, que é eliminado pelas fezes, no esgoto. Quando havia altas coberturas vacinais no país, isso servia como uma forma de também imunizar os não imunizados. Contudo, quando não há coberturas vacinais elevadas, o vírus pode sofrer mutações genéticas, sobretudo em locais onde não há saneamento básico adequado, e acometer pessoas que não estão adequadamente vacinadas ou que são imunodeprimidas.
— Isso leva a um risco de termos o próprio vírus vacinal levando a doença, que é uma coisa que é rara, mas, atualmente, no mundo, temos muito mais casos de pólio derivado da vacina do que de pólio selvagem, que acontece só no Afeganistão — afirma.
Além disso, o uso da VIP busca aumentar a segurança e a eficácia do programa de imunização, conforme Fabrizio Motta, supervisor médico do Controle de Infecção e Infectologia Pediátrica da Santa Casa de Porto Alegre.
— A VIP utiliza vírus inativados, eliminando o risco de poliomielite associada à vacina e contribuindo para a erradicação global da poliomielite — acrescenta.
Oscilação da cobertura vacinal
Tanto o RS quanto o Brasil têm enfrentado desafios na manutenção de altas coberturas vacinais contra a poliomielite, salienta Motta. No RS, a cobertura vacinal tem ficado abaixo da meta de 95% estabelecida pelo Ministério da Saúde desde 2015.
Ao longo dos últimos anos, entretanto, a cobertura vacinal tem voltado a apresentar melhora no Brasil, no RS e em Porto Alegre. Desde 2022, os índices vêm aumentando, como aconteceu durante a Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite, quando o Estado alcançou 79% de cobertura, acima da média nacional. Em 2023, também houve aumento, com o RS atingindo 89% para a VIP, indicando uma tendência positiva, na avaliação de Motta.
— Esse aumento de cobertura é fundamental para mantermos doenças como a poliomielite fora do Brasil — afirma.
No país, em 2023, a cobertura vacinal atingiu 86,6% para a vacina inativada poliomielite. Os dados de 2024 não estão disponíveis, conforme o Ministério da Saúde.
Por que há diminuição nos índices?
Os motivos para a redução da cobertura vacinal são multifatoriais e se constituem em cinco "Cs", salienta Cunha:
- Complacência – falsa sensação de segurança, de que não é preciso vacinar os filhos contra doenças que as pessoas não conhecem ou nunca viram, como no caso da pólio, cujo último caso no Brasil foi registrado em 1989
- Confiança – a confiança no produto, na sua eficácia e segurança e nos atores envolvidos, como profissionais de saúde, instituições e governantes, tem sido abalada pelas notícias falsas
- Conveniência – impactos do horário de atendimento do posto de saúde, da disponibilidade de doses, de burocracias para vacinar e do próprio conhecimento dos profissionais da saúde sobre o assunto
- Comunicação – desconhecimento do público sobre as campanhas e o calendário, motivo pelo qual a comunicação com informação adequada, com divulgação e campanhas publicitárias, é fundamental
- Contexto – cada lugar tem diferentes situações, com diferentes determinantes que vão atrapalhar mais ou menos a cobertura. Por esse motivo, trabalha-se na recuperação por meio do micro planejamento
Motta também acrescenta a pandemia de covid-19, que trouxe atraso vacinal – o que, agora, se tenta recuperar.
As vacinas são a principal estratégia para a proteção das pessoas e promoção da saúde – não só para a pólio, como para todas as outras doenças imunopreveníveis, reforça o diretor da SBIm:
— Temos toda uma gama de vacinas gratuitas na nossa rede pública. Temos de ter a vacinação em dia, porque ela vai impedir as pessoas de adoecerem. E além de ter a proteção individual, tem a proteção da coletividade. Quanto mais pessoas vacinadas, menor a possibilidade de um vírus ou de uma bactéria ficar circulando e causar doenças em outras pessoas.
Adeus ao Zé Gotinha?
Criado nos anos 1980, o personagem Zé Gotinha se tornou um ícone na luta contra a pólio, mas seu papel se expandiu para alertar sobre a prevenção de outras doenças imunopreveníveis, como o sarampo. “Assim, mesmo o Brasil não utilizando mais a vacinação oral da poliomielite, o Zé Gotinha continuará a trabalhar em prol da imunização”, informa o Ministério da Saúde.