O número de pessoas vivendo com demência deve subir de 55 milhões em 2019 para 139 milhões em 2050, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A doença de Alzheimer é a forma mais comum e pode contribuir para 60% a 70% dos casos.
Este sábado é o dia nacional de conscientização do Alzheimer. Carregado de consequências para a vida do paciente, o diagnóstico costuma chegar tardiamente. O avanço da tecnologia e da medicina, contudo, tem permitido identificar a doença cada vez mais cedo – por meio de alguns exames, é possível saber até 20 anos antes das manifestações clínicas.
— O diagnóstico precoce é possível, inclusive nas fases clinicamente invisíveis da doença, que a gente chama de doença pré-clínica. É quando as pessoas têm as proteínas, mas ainda não têm os sintomas – diz Pedro Rosa Neto, médico neurologista e professor de Neurologia da Universidade McGill, no Canadá, e da Universidade do Texas Southwestern Medical Center, nos EUA.
Na prática clínica, como o exame é indicado em situações específicas, o diagnóstico precoce geralmente é realizado antes da demência, quando já há sintomas, alerta Wyllians Borelli, médico neurologista e coordenador de pesquisa do Centro de Memória do Hospital Moinhos de Vento:
O precoce é quem tem sintoma, mas esse esquecimento não impacta o dia a dia, a pessoa é completamente funcional, independente e autônoma. Esse é o melhor momento para fazer o diagnóstico e potencialmente mudar o curso da doença.
WYLLIANS BORELLI
médico neurologista e coordenador de pesquisa do Centro de Memória do Hospital Moinhos de Vento
O que há de novo contra o Alzheimer
A doença de Alzheimer é caracterizada pela presença de duas proteínas insolúveis no cérebro: beta-amiloide e tau. Com o avanço dos estudos na área, foi desenvolvida uma tecnologia de marcadores biológicos capazes de detectar a presença dessas proteínas, explica o neurologista Pedro Rosa Neto.
— O que foi uma coisa transformadora é o fato de que essas proteínas começam a acumular na cabeça das pessoas cerca de 15 a 20 anos antes do começo da doença — ressalta.
É aqui que entra o diagnóstico precoce: atualmente, os biomarcadores já são critérios suficientes para identificar o Alzheimer pré-clínico, conforme Eduardo Zimmer, professor de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em Alzheimer.
— A gente consegue, com o exame de imagem, identificar se tem ou não a patologia no cérebro — afirma.
A hipótese dos cientistas era de que essas proteínas poderiam vazar para o sangue, podendo ser identificadas. Uma das principais apostas da atualidade para o diagnóstico precoce é o desenvolvimento de exames de sangue capazes de detectar o Alzheimer. A novidade já está disponível em alguns países, mas ainda não foi validada para a população brasileira.
Uma pesquisa liderada por Zimmer, em parceria com o Ministério da Saúde, busca realizar essa validação e disponibilizar a tecnologia para o Sistema Único de Saúde (SUS). O recurso para o equipamento de R$ 1,4 milhão, que já está na UFRGS, foi repassado à Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs) pela Secretaria Estadual da Saúde (SES). A pesquisa deve ser iniciada até o final do ano.
— Os primeiros resultados a gente já tem e mostram que o exame parece funcionar bem em uma amostra pequena. É um estudo que logo vai estar publicado. E agora vem uma grande fase de validação que vai começar pelo Rio Grande do Sul – destaca.
Medicamentos e possibilidades
As medicações disponíveis hoje têm mais de 30 anos, afirma o neurologista Pedro Rosa Neto – são medicamentos que foram desenvolvidos para melhorar a cognição, mas têm efeito modesto. Duas classes são utilizadas atualmente para tratar a doença: os anticolinesterásicos e a memantina. Eles agem tentando fazer com que a sinapse funcione de maneira correta, esclarece o especialista Eduardo Zimmer. Os medicamentos melhoram os sintomas, mas não impedem a progressão da doença.
As novidades são as intervenções modificadoras do curso da doença, que têm por objetivo reduzir a progressão ou, nas melhores hipóteses, estabilizar a cognição das pessoas. Já existem dois anticorpos monoclonais – uma espécie de vacina –, que removem as placas de beta-amiloide e foram recentemente aprovados nos Estados Unidos.
Entretanto, a resposta clínica da remoção não parece ser muito boa, diz Zimmer. Eles removem as placas, mas a melhora do paciente é “muito sutil”. Elas estão, ainda, associadas a efeitos adversos graves.
— A hipótese é que atualmente ele está sendo indicado para pessoas que já têm sintomas. Os neurônios já morreram, não adianta você tirar as placas. Os neurônios não vão voltar se você tirar. A hipótese agora é de que se a gente começar esse tratamento antes dos sintomas, pode ser que a vacina, o anticorpo, seja efetivo. Esses estudos estão em andamento – explica o professor Zimmer.
Os desafios da testagem cognitiva
O tipo de exame mais recente é o PET-Florbetabeno, aprovado para uso no Brasil em 2022. Os custos, entretanto, são considerados altos, o que dificulta a implementação em um país que depende do SUS.
O teste utiliza o florbetabeno, um radiofármaco que é injetado no paciente e mostra, por meio do PET-SCAN, onde há agrupamentos de beta-amiloide no cérebro, indicando a existência de Alzheimer.
O radiofármaco é produzido pelo Instituto do Cérebro (InsCer) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), referência nacional na produção desse biomarcador. Trata-se de um radiotraçador (com uma quantidade pequena de radiação) que tem como molécula base o flúor. O exame custa cerca de R$ 9 mil no instituto, e ainda não é coberto pelo SUS. O InsCer está com projetos para, em breve, também desenvolver o marcador da proteína tau.
— Esse radiofármaco é importante na avaliação do paciente. É um exame que normalmente não se faz de rotina, mas, em casos duvidosos, por exemplo, pacientes jovens, abaixo de 60 anos, com suspeita de Alzheimer, ter um biomarcador é altamente recomendado para obter um diagnóstico mais preciso. E isso importa muito em termos de tratamento, para saber como tratar esse paciente de uma forma mais adequada — diz o médico neurologista Lucas Schilling, do InsCer.
Portanto, a grande indicação para o uso de biomarcadores hoje é em casos atípicos ou de início precoce. No Hospital Moinhos de Vento, o exame também está disponível (a instituição diz não divulgar o preço). O que define o diagnóstico biológico da doença de Alzheimer é o PET-Florbetabeno, ressalta o neurologista Wyllians Borelli.
A maior novidade são os testes sanguíneos, pois têm precisão bastante elevada e causam grande impacto, avalia o neurologista Rosa Neto. O exame ainda não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e precisa ser validado no Brasil.
Confira os exames de diagnóstico disponíveis hoje:
- Exame de sangue: já utilizado em alguns países
- PET-Florbetabeno (ou PET-CT com marcador amiloide): exame de neuroimagem por tomografia por emissão de pósitrons (PET-SCAN), capaz de identificar placas de beta-amiloide. É o exame com maior sensibilidade para detectar o início da doença com antecedência
- PET-Fluordeoxiglicose: teste que mostra padrão típico de doenças que causam demência, não sendo específico para Alzheimer. Mostra em quais áreas os neurônios estão mais ou menos ativos
- Ressonância magnética com volumetria cerebral: utilizado para eliminar potenciais outras causas, avalia regiões do cérebro (como o hipocampo, ligado à memória) que sofreram atrofia e perderam volume
- Exames de diagnóstico in vitro: para ver beta-amiloide e tau, utilizando o líquor cefalorraquidiano, por meio de uma punção lombar
Cenário no SUS
No SUS, o diagnóstico das demências deve ser feito a partir de avaliação clínica, exames laboratoriais e exames de imagem, informou a SES, por nota. Os usuários são acompanhados pela Estratégia de Saúde da Família, nas unidades de saúde. São solicitados exames laboratoriais, uma tomografia e, havendo necessidade, consulta com um especialista.
As medicações disponíveis para demência no SUS hoje são: Memantina, Donepezila, Rivastigmina e Galatina. A SES oferece, em caráter complementar, terapias nutricionais (dieta enteral e espessante alimentar). Entre as políticas públicas planejadas pela SES está o lançamento de um Plano Estadual de Cuidado Integral em Demências no dia 27 de setembro.
O Ministério da Saúde informou que o SUS oferece assistência integral na saúde neurológica por meio da Política Nacional de Atenção ao Portador de Doenças Neurológicas. “Com a Lei N° 14.878, sancionada em junho de 2024, foi instituída a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências, estabelecendo diretrizes para aprimorar o atendimento”, afirmou a pasta, em nota.
Saber ou não saber?
Apesar de a doença de Alzheimer biológica estar definida, os exames ainda não são indicados para quem não tem sintomas. Os especialistas frisam que os testes não devem ser procurados por mera curiosidade – e sim em situações específicas, quando há sintomas e recomendação de um médico especialista.
A possibilidade de um diagnóstico precoce suscita debates sobre as consequências do saber quando não há cura e os tratamentos ainda são limitados ou não estão disponíveis no Brasil. Esse é um dos motivos, inclusive, pelos quais os exames ainda não são amplamente indicados. Esses testes só serão indicados para pessoas sem sintomas se e quando houver a possibilidade de tratamento e de impedir o desenvolvimento da doença, segundo Zimmer.
Rosa Neto concorda que a indicação clínica do teste será mais importante quando houver à disposição uma medicação capaz de mudar a vida das pessoas – o que é esperado com os avanços nos chamados antiamiloides.
Os exames não são capazes de dizer quando esses sintomas vão realmente se manifestar e qual será a magnitude, lembra o médico. Por esse motivo, Rosa Neto avalia que, inicialmente, os testes devem estar disponíveis somente para especialistas, que devem julgar quando são realmente necessários e que serão capazes de saber o que fazer com o resultado.
Além disso, alguns médicos acreditam que o diagnóstico precoce pode gerar pânico. Na opinião de Rosa Neto, existem pessoas que podem se beneficiar desse tipo de teste – por exemplo, profissões que envolvem risco e responsabilidade com outros indivíduos.
– Não é um exame simples, é um exame que envolve um prognóstico de uma doença que é de difícil manejo, que vai envolver liberdades pessoais, uma série de questões – destaca.
Há, porém, algumas propostas do ponto de vista de prevenção. A literatura científica indica que há 14 fatores de risco modificáveis para a doença de Alzheimer – que podem evitar até 50% dos casos, conforme o professor Zimmer. Assim, um paciente que testa positivo nos exames de Alzheimer poderia mudar o estilo de vida para que seja mais saudável, mitigando os 14 fatores para tentar prevenir a fase clínica. Na avaliação de Zimmer, a proposta seria adequada, por exemplo, ao SUS, que fornece medicamentos para tratar doenças relacionadas a esses fatores. Não há ainda, contudo, um fármaco específico para prevenir Alzheimer.
Os 14 fatores de risco
- Baixo nível educacional
- Colesterol alto
- Consumo excessivo de álcool
- Depressão
- Diabetes
- Falta de atividade física
- Falta de contato social
- Hipertensão
- Lesões graves na cabeça
- Obesidade
- Perda de audição
- Perda de visão
- Poluição do ar
- Tabagismo