Conhecida como pílula do câncer, a fosfoetanolamina não tem eficácia para o tratamento da doença e não possui registro ou autorização para ser usada como medicamento ou suplemento alimentar no Brasil. Esse alerta foi feito pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), em esclarecimento publicado na terça-feira (23). Especialistas e órgãos de saúde chamam a atenção para o risco da disseminação de informações falsas e de consumir produtos não registrados.
Sérgio Roithmann, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Moinhos de Vento, explica que a fosfoetanolamina é um composto químico que faz parte do metabolismo do corpo e não tem nenhum efeito no tratamento do câncer.
— Não é uma droga em pesquisa, em estudo, é só algo que promete uma cura mágica falsa. Não há nenhuma utilidade para a saúde das pessoas — reforça o especialista, acrescentando que essa é uma história triste e antiga.
Há cerca de 10 anos, a fosfoetanolamina era tratada por pessoas e autoridades públicas como opção eficaz para o tratamento e cura do câncer. Na época, ao mesmo tempo em que deputados e senadores avançavam com projetos no Congresso sobre o uso da medicação em pacientes com tumores malignos, a Anvisa, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) — ligado ao Ministério da Saúde —, e especialistas alertavam para a necessidade de estudos sobre o tema.
A polêmica também estava instaurada na internet, espaço onde a eficácia da pílula do câncer passou a ser difundida e aceita pelos usuários nas redes sociais.
Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a lei que autorizava o uso da fosfoetanolamina como medicamento por "falta de evidências científicas" no combate ao câncer. A decisão colocou fim na controvérsia envolvendo a substância, que foi estudada por duas décadas no campus de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), como droga potente no tratamento de neoplasias malignas, mas nunca teve sua eficácia comprovada. A partir da suspensão, entretanto, o composto químico passou a ser vendido como um suplemento alimentar.
No texto publicado, a Anvisa enfatiza que, “sem as pesquisas clínicas adequadas e o devido registro, a fosfoetanolamina não pode ser considerada segura ou eficaz para o tratamento do câncer”. Também destaca que utilizar produtos não registrados pela agência para tratar a doença “é extremamente arriscado”.
“Esses produtos podem interferir negativamente nos tratamentos convencionais, além de apresentar riscos de contaminação. É fundamental que os pacientes não abandonem tratamentos médicos estabelecidos para utilizar terapias não autorizadas e de eficácia desconhecida, como é o caso da fosfoetanolamina”, alertou.
Atenção às informações falsas
A nota da Anvisa ressalta ainda que “propagandas nas redes sociais que sugerem que a fosfoetanolamina combate ao câncer ou qualquer outra doença, atribuindo-lhe propriedades funcionais ou de saúde, são irregulares e enganosas”. O mesmo alerta é feito pelo chefe de Oncologia do Moinhos de Vento, destacando que anúncios envolvendo “medicamentos milagrosos” ocorre de forma repetida.
— Se utilizam de um momento de fragilidade das pessoas com doenças graves para vender produtos que não funcionam. Geralmente, são produtos muito mágicos, que curam todos os tipos de câncer, sem efeito colateral. Sempre que aparece esse tipo de coisa, as pessoas devem desconfiar, porque infelizmente não é essa a realidade. E, nesse caso, sabemos que essa substância não funciona — destaca Roithmann.
Conforme o especialista, o início do debate sobre a fosfoetanolamina foi impulsionado por “testes muito pobres feitos em laboratório”. Roithmann enfatiza que os medicamentos precisam ser testados em pessoas para que tenham sua eficácia comprovada, pois testes em laboratórios não oferecem nenhuma garantia de que aqueles produtos serão úteis para a população:
De má fé, pessoas que desenvolveram testes muito preliminares da substância se aproveitaram disso para tentar vender esse produto, promovendo um uso indiscriminado, com falsa propaganda. E por que isso continua 10 anos depois? Por causa dessa infeliz tecnologia das fake news. As pessoas têm muita dificuldade de separar o que é uma boa e uma má informação.
SÉRGIO ROITHMANN
Chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Moinhos de Vento
Conforme a agência, para que a fosfoetanolamina seja comercializada no Brasil, é necessário que seus produtores apresentem o pedido de registro com testes de qualidade, segurança e eficácia para análise. "A ciência médica é fundamentada em dados e evidências rigorosas, e os critérios para a aprovação de novos tratamentos são estabelecidos para proteger a saúde dos pacientes", afirma.
Roithmann também salienta que não há novos testes ou estudos em andamento sobre essa substância, apenas a exploração comercial baseada nas informações falsas. Aponta, ainda, que pacientes estão em situação de fragilidade e, por isso, estão mais predispostos a aceitar e a acreditar em coisas que não acreditariam normalmente.
— Consumir substâncias que não precisa sempre tem potenciais riscos. E o grande risco que vejo é de as pessoas abandonarem os tratamentos que poderiam ser eficazes em troca desses supostos tratamentos mágicos. Minha recomendação é: ao receber informações sobre drogas milagrosas, converse com seu médico para que ele possa te ajudar a filtrar o que é verdade — finaliza.