As enchentes vivenciadas em diversos municípios gaúchos causam um cenário no qual é complexo estimar e conter o aumento de casos de leptospirose, afirma a Secretaria Estadual da Saúde (SES). Nesta quinta-feira (23), mais duas mortes foram confirmadas no Estado, o que eleva o número de óbitos para quatro desde o início da crise climática. Há outros 54 casos da doença confirmados apenas em maio.
A leptospirose é uma doença transmitida pela exposição direta ou indireta à urina de animais – principalmente ratos – infectados pela bactéria Leptospira. A possibilidade da ocorrência aumenta em situações de enchentes (veja como se proteger no fim da reportagem).
— É difícil estimar o número de casos que teremos, porque estamos vivendo um evento que não terminou e cuja transmissão não é só pela água, mas também pela lama. Em muitos lugares nem chegou o momento de retorno das pessoas às residências para fazer a limpeza. É um cenário que nunca vivemos. Vamos ter a ocorrência de casos de leptospirose no Estado durante um bom tempo — diz Tani Ranieri, coordenadora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde do Estado (Cevs), da SES.
Segundo ela, outro problema que afeta o monitoramento da doença é a falta de conectividade com os principais sistemas de informação, que são alimentados pelas equipes nos centros de saúde do Estado.
O problema ocorre porque a Procergs, responsável pelos sites e sistemas de tecnologia da informação e comunicação do governo estadual, teve o prédio alagado e não há prazo para restabelecer o funcionamento. Segundo Tani, a pasta quer ampliar e agilizar os testes da doença.
— Estamos trabalhando na descentralização do diagnóstico, agregando outros métodos que não só o sorológico, mas também o PCR, que vai dar oportunidade de ter um diagnóstico laboratorial independentemente do período de coleta de amostra. Acredito que vamos conseguir confirmar laboratorialmente um número maior de casos nos próximos dias — pontua.
Equipamentos individuais de proteção (EPIs) são indicados para evitar o contato com a água das enchentes. Segundo a coordenadora do Cevs, é impossível o Estado enviar os acessórios para todos os moradores que estiverem em locais de risco para a doença.
— Estamos trabalhando para conseguir EPIs para os profissionais de saúde que estão atuando na linha de frente. Também já pedimos doações, de empresas ou entidades, mas o Estado não tem como fornecer esses equipamentos para todos os municípios afetados do Rio Grande do Sul. Também estamos dando as orientações para quando a população puder retornar para casa e realizar o processo de limpeza com segurança — acrescenta.
Segundo a SES, em 2024, até 19 de abril, já haviam ocorridos 129 casos e seis óbitos. Em 2023, foram 477 casos com 25 mortes.
Como se proteger
Na avaliação de Fabiano Ramos, infectologista do Hospital São Lucas (HSL) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), a demora na identificação da doença é um empecilho para evitar a evolução para casos graves.
— Nosso sistema de saúde é naturalmente deficiente no atendimento a um número grande de pessoas. Agora estamos vivendo um momento de exposição maciça a essa água. O risco é termos aumento pela procura de atendimento médico e a doença não ser diagnosticada em tempo hábil. O ideal é que o tratamento comece em 24 ou 48 horas após o início dos sintomas — explica.
As manifestações da leptospirose variam de formas assintomáticas até quadros graves que podem levar o paciente à morte. São divididas em duas fases: fase precoce e fase tardia. O período de incubação – intervalo entre a transmissão da infecção até o início das manifestações dos sinais e sintomas – varia de um a 30 dias, mas é comum ocorrer entre sete e 14 dias após a exposição a situações de risco.
Veja os principais sintomas da fase precoce:
- Febre
- Dor de cabeça
- Dor muscular, principalmente nas panturrilhas
- Falta de apetite
- Náuseas/vômitos
O diagnóstico é feito a partir da coleta de sangue no qual é verificado se há presença de anticorpos para leptospirose (exame indireto) ou a presença da bactéria (exame direto).
A bactéria que origina a leptospirose pode infectar superfícies como móveis, paredes e o chão. Ela entra no corpo humano por meio de cortes ou arranhões e através das mucosas, sobretudo a boca. A limpeza da lama de enchentes e o contato com a água devem ocorrer com equipamento de proteção, como botas e luvas de borracha. Na falta deles, a indicação é se expor o menor tempo possível para reduzir a possibilidade de contaminação.
Ramos pondera que ter contato com a água de uma inundação por pouco tempo não significa a contaminação pela doença.
— Se a pessoa está em um local com água corrente, a bactéria não tem tempo de contato suficiente para fazer a penetração na pele. É diferente de um ponto onde a água está parada, onde ocorre um contato mais prolongado com um possível ponto infectado. Por isso é importante ficar o menor tempo possível, pois quanto mais o contato se prolonga, maior é o risco de contaminação.
Outra dica é ter cuidado com objetos utilizados na alimentação – como potes, copos e panelas – que podem estar infectados, além de monitorar a água consumida.
O tratamento
O atendimento a pacientes com leptospirose é ambulatorial em casos leves; nas situação graves, a hospitalização deve ser imediata. Segundo o Ministério da Saúde, a antibioticoterapia é indicada em qualquer período da doença, mas tem mais eficácia na primeira semana após o início dos sintomas. Além disso, na fase precoce, são utilizados doxiciclina ou amoxicilina; para a fase tardia, penicilina cristalina, penicilina G cristalina, ampicilina, ceftriaxona ou cefotaxima.
No início do mês, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) recomendou a quimioprofilaxia para pessoas que tiveram contato prolongado com água de enchentes, voluntários e equipes de resgate que atuam em regiões de cheia no RS.