A pressa para abandonar a casa onde a rua alagou, a ida a um abrigo ou a um lar temporário, até situações menos bruscas, como o cancelamento das aulas e de outras atividades do dia a dia, cenários vistos durante as enchentes no Rio Grande do Sul, são mudanças de rotina que podem causar aflição em pessoas com transtorno do espectro do autismo (TEA). Para amenizar o desconforto com a bagunça gerada pelos estragos da tragédia, é importante que familiares garantam um mínimo de previsibilidade aos autistas.
Pessoas de postura inflexível, apegadas ao que já conhecem, os autistas precisam saber o que podem esperar do seu dia, frisa o neurologista Rudimar Riesgo, chefe da Unidade de Neuropediatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e membro da Sociedade Internacional para Pesquisas do Autismo (International Society for Autism Research).
— Essa rigidez comportamental do autista traz uma dificuldade em se adaptar às mudanças. Dentro do possível, os familiares podem antecipar à pessoa autista como será o seu dia. Tudo o que for antecipado facilita a vida de quem tem autismo — diz.
Ou seja, é necessário detalhar o dia que virá pela frente, o que traz segurança ao autista. No caso de estarem abrigados fora de casa, o ideal é que seja em ambientes mais íntimos, com menos pessoas, porque o barulho e o desconhecido geram incômodo.
Se forem tomados por emoções negativas relativas à catástrofe climática, precisam ser estimulados a manifestar, e não a bloquear o medo, a tristeza e até a raiva, diz a psicóloga Lilian Carminatti, especialista em Psicoterapias na Infância e Adolescência e integrante do Programa Acolher, da Unimed Rio Grande do Sul, destinado a dar orientações a famílias que têm pessoas autistas.
— Às vezes a gente fala que a criança não deveria estar triste ou chateada, porque há outras crianças sem casa, né? Vamos tentar ir por outro caminho, dando espaço para que crianças ou adolescentes autistas possam dizer o que estão sentindo e que têm o direito de sentir aquela emoção desagradável.
Como a maioria dos autistas apresenta dificuldade para ter um sono reparador – cerca de 80% deles, segundo Riesgo –, é importante que gastem energia em atividades físicas, o que contribui para o alívio da ansiedade e para noites mais tranquilas. Se a escola onde tinham educação física suspendeu as aulas, ou se a natação está impedida de abrir as portas, por exemplo, é possível fazer outros exercícios dentro de casa ou na rua.
Dentro do possível, os familiares podem antecipar à pessoa autista como será o seu dia.
RUDIMAR RIESGO
Neurologista Pediátrico e pesquisador sobre autismo
— Não precisa ir para a academia, fazer musculação, mas praticar caminhadas, pular na cama elástica, pedalar. Fazer com que essa criança ou adulto gaste as pilhas de alguma forma. No momento em que suam, liberam hormônios que diminuem a ansiedade, que é um dos sintomas que mais aparecem neles fora da pandemia, fora da enchente, fora da catástrofe. Então imagina na catástrofe — reflete o médico.
Essa ansiedade é fruto do descompasso entre o mundo interno e o mundo externo, da dificuldade para ler pistas sociais, podendo ser mais latente nos autistas do que nos neurotípicos, como são chamadas as pessoas que não manifestam alterações neurológicas.
— Se o neurotípico é ansioso, o autista é mais, principalmente aqueles que são verbais, que conversam, porque gastam mais energia do que as outras pessoas para serem aceitos. Isso causa sofrimento — pontua Riesgo.
Quem acompanha a rotina de um autista também precisa cuidar de si próprio e do que está sentindo. Regulando-se emocionalmente, poderá ajudar a regular o próximo, diz Lilian.
— As pessoas precisam ter consciência do que estão sentindo, e estamos vivendo um momento de muitas incertezas. Quem cuida de um autista precisa fazer uma pausa para se reorganizar e buscar a rede de apoio, buscar uma conversa. E retomar minimamente à sua rotina de antes, afinal, a previsibilidade que é importante para o autista também é importante para o neurotípico.