Quando se tem uma doença comum, o paciente deve começar o tratamento a partir do diagnóstico feito pelo médico. Com as raras, o processo é dificultado pela demora até a descoberta real da enfermidade. O Centro de Atendimento Integral e Treinamento em Doenças Raras (Casa dos Raros), que comemora um ano de atividade nesta quarta-feira (28), celebra a redução de um precioso tempo nesta etapa para dezenas de atendidos no espaço.
A média de mais de cinco anos para a detecção de uma doença caiu para menos de 60 dias aos pacientes que passaram pelo local. Segundo um dos fundadores da Casa dos Raros, o geneticista Roberto Giugliani, o diagnóstico é fundamental para o manejo deste tipo de doença. Segundo ele, 5% da população mundial ainda terá em algum momento da vida, ou seja, um a cada 20 pessoas (600 mil somente no RS).
A construção do prédio de quatro coloridos andares e 2,2 mil metros quadrados, inaugurado em 2023 na véspera do Dia Mundial das Doenças Raras, lembrado em 29 de fevereiro, foi propiciada por doações de pessoas físicas e jurídicas. A estrutura multidisciplinar tem consultórios, laboratórios — um para diagnóstico e outro para produção de terapias avançadas —, salas para tratamentos, além de espaço para eventos e treinamento dos 42 profissionais, muitos deles, voluntários.
— A fase mais desafiadora é a operação, então, abrimos no site o registro de interesse de possíveis pacientes e tivemos mais de 2 mil pessoas cadastradas. Começamos com casos que não tinham diagnósticos ou atendimento adequado. Sempre de forma gratuita. O paciente não é cobrado em nada — frisa Giugliani.
Depois do cadastro no site, a equipe da Casa dos Raros faz uma avaliação e marca uma consulta remota para colher mais informações clínicas, laboratoriais e familiares. Na sequência há outra consulta, presencial ou virtual, com todos os especialistas necessários ao caso.
— A partir daí, os profissionais começam os atendimentos. Em média, 80% de nossos pacientes são crianças e adolescentes e recebemos pessoas do RS, de outros Estados e até países, como Uruguai, Argentina e Paraguai.
Convênio com o Estado
Atualmente a média é de 10 pacientes diários, mas a ideia do geneticista é atender cerca de 50 pessoas por dia. Um deles é Mirna Führ, 52 anos, moradora de Ivoti, no Vale do Sinos, que aguardava para ser chamada para uma consulta.
— Tenho esclerose tuberosa (causado por mutações em um gene). Descobri depois que tive uma convulsão, aos 17 anos. A minha neurologista nunca tinha ouvido falar. Ainda bem que me chamaram para vir aqui — disse, ansiosa pelo primeiro atendimento na Casa dos Raros.
Mirna foi beneficiada por um convênio, assinado em outubro passado, entre a instituição e a Secretaria Estadual de Saúde (SES). Durante 42 meses, 1.050 crianças e adultos serão encaminhados pela atenção primária dos municípios para consultas com os profissionais da instituição. Desde novembro, já foram 150 pacientes.
Durante a vigência do projeto, a expectativa é de um total de 31,5 mil atendimentos. O governo gaúcho repassará R$ 3,1 milhões no período.
Encurtar a jornada
A criação do centro partiu da necessidade de dar uma continuidade adequada ao tratamento de pessoas que não conseguiam avançar no diagnóstico após os primeiros sintomas.
— Fundei o serviço de genética médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que tinha uma equipe de primeira linha em nível internacional mas, apesar de toda a expertise, percebemos que os pacientes não chegavam, eram muitas dificuldades. Precisávamos agilizar — lembra.
Em uma realidade em que 30% destes pacientes não chegarão aos cinco anos de idade, pela progressão e agressividade de muitas doenças raras, Giugliani criou o Instituto Genética para Todos, pensando em facilitar este sistema.
— Encontramos, então, uma ONG em São Paulo, a Casa Hunter, que fazia atendimento integral de doenças raras em hospitais. Juntamos os esforços e desenhamos a Casa dos Raros para encurtar a dura jornada destes pacientes — relata o geneticista.
Inovador no mundo
Na próxima sexta-feira (1º de março), Roberto Giugliani apresentará a Casa dos Raros remotamente em um evento internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS).
— Que eu saiba, não tem, no mundo, uma proposta deste tipo. É algo inovador, tanto que fui convidado para participar da reunião, com a presença do diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus — afirma Giugliani.
Uma das novidades da instituição é um espectrômetro de massas em tandem, equipamento capaz de identificar moléculas que outros exames não captam e que permite diagnosticar cerca de cem tipos de doenças raras.
— Este aparelho consegue fazer o teste do pezinho ampliado e uma série de outros biomarcadores. Custa meio milhão de dólares, o maior investimento que fizemos aqui. Fazemos, ainda, exames para outros locais no país e no Exterior — aponta o especialista.
O que move o sonho do cofundador da Casa dos Raros são os depoimentos dos pacientes. O primeiro atendido, ainda em julho de 2023, um menino diagnosticado com encefalopatia epiléptica, continua em sua lembrança.
— Ele é muito emblemático. Em quatro semanas já tínhamos um diagnóstico. Ao menos, trouxe uma resposta. Foi muito importante. Ele já tinha passado por internações e cirurgias. Quando, além do diagnóstico, pudermos mudar o curso da doença, melhor ainda, chegaremos lá. Queremos ampliar o atendimento e trazer mais novidades e qualidade de vida a esses pacientes — se emociona.
Como ser atendido pela Casa dos Raros
Registro de interesse
- Acesse o site da Casa dos Raros
- Na página, acesse o registro de interesse, que pode ser feito pelo próprio paciente ou em seu nome
- No formulário, preencha os dados pessoais e informações sobre o caso
- Após o envio, o contato será feito pela equipe da Casa dos Raros em até 30 dias
Convênio com a SES/RS
- Os pacientes são direcionados à Casa dos Raros através do Sistema Único de Saúde (SUS)
Como doar
- A Casa dos Raros é mantida com o apoio de parceiros e, também, de doações individuais, que podem ser feitas no link do site da instituição
- É possível doar qualquer valor via cartão de crédito, boleto, Pix e outras formas de pagamento
- A doação pode ser feita também de forma recorrente