Considerada uma das doenças mais antigas do mundo — com registros de casos há 4 mil anos atrás, conforme o Ministério da Saúde —, a hanseníase pode levar de dois a cinco anos entre o contágio e o aparecimento dos primeiros sintomas. Silenciosa, a doença atinge a pele e nervos.
De acordo com o dermatologista Rodrigo Vettorato, Doutor em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e preceptor da residência médica em dermatologia da Santa Casa de Porto Alegre, existem muitos riscos com relação a doença, cuja gravidade está ligada a reação imunológica de cada paciente à presença da bactéria no organismo. Quanto mais tardio o diagnostico e início do tratamento, maior a chance de ocorrerem incapacidades físicas "muitas vezes irreversíveis" nos pacientes, ressalta.
— Nos primeiros anos, a doença pode passar despercebida. As primeiras manifestações clínicas podem levar alguns anos. Inicialmente, a doença causa manchas esbranquiçadas ou avermelhadas na pele, em qualquer local, ou discreta perda de sensibilidade ao calor e ao frio, ao toque e a dor — explica.
A demora de manifestação da doença também prejudica o diagnóstico e tratamento. Após os primeiros sintomas, sem o acompanhamento correto, a hanseníase se desenvolve e gera alterações mais graves, como o surgimento de “deformidades físicas” nas mãos e pés, caroços e acomete nervos de qualquer região do corpo.
Vettorato alerta que quadros clínicos mais graves e não tratados podem ocasionar a perda de movimentos das extremidades, como dos pés, mãos e levando a incapacidades físicas sensitivas e motoras. Em alguns casos, a hanseníase afeta a visão dos pacientes e pode evoluir para cegueira. Embora seja raro, a doença pode até levar ao óbito se a bactéria se disseminar em órgãos vitais.
Em 2023, o Brasil registrou 19.129 novos casos da doença. Destes, 60 foram diagnosticados no Rio Grande do Sul, apontam dados do Ministério da Saúde. A hanseníase é identificada através de diagnóstico clínico, com avaliação de um dermatologista sobre lesões na pele e perda de sensibilidade. Se não tratada na fase inicial — conhecida como hanseníase indeterminada —, o quadro clínico pode evoluir para três formas clínicas da doença, alerta Vettorato.
- Tuberculoide: poucas manchas na pele, em média de cinco. Na maioria dos casos acomete apenas um nervo e pode causar deformidade grave. Não ocorre transmissão da bactéria.
- Dimorfa e virchoviana: são os quadros clínicos que transmitem a doença. Mais agressivas ao sistema imunológico, a bactéria se espalha por vários órgãos, além da pele e nervos.
— A hanseníase é uma doença complexa, com centenas de sintomas. As manifestações clínicas dependem da resposta imunológica de cada organismo à presença da bactéria — alerta Vettorado.
Transmissão e sinais
O desenvolvimento de hanseníase ocorre a partir do contato prolongado com a bactéria Mycobacterium leprae, decorrente de gotículas e secreções respiratórias. O contágio acontece quando pacientes pré-dispostos geneticamente têm contato prolongado — durante muito tempo — pessoas que têm a doença não tratada.
— Resumidamente, o bacilo sai das vias aéreas superiores, como a boca do paciente com hanseníase, através de gotículas e entra por via nasal nas pessoas de convívio próximo. Mesmo que tu entres em contato íntimo e prolongado com pessoas que tenham a doença não tratada, se tiveres resistência natural ao bacilo, nunca irá adoecer — explica o dermatologista.
Há duas distinções da doença: os paucibacilares, que desenvolvem hanseníase, mas não transmitem, e os multibacilares, que transmitem e necessitam do tratamento adequado para frear o contágio à terceiros. Ambos os casos devem ser tratados junto a um dermatologista.
Além das manchas esbranquiçadas ou avermelhadas na pele e a perda de sensibilidade ao calor ou frio e ao toque, há outros sinais que podem indicar um quadro de hanseníase.
- Menos transpiração (suor) em algumas áreas do corpo
- Formigamento nas mãos ou pés
- Perda de sensibilidade muscular no rosto, mãos ou pés
- Surgimento de caroços no corpo
- Comprometimento de nervos periféricos com alterações em atividades motoras.
— A forma mais grave e disseminada da doença pode acometer vários órgãos, como olhos, levando à cegueira, testículos, ossos, articulações e fígados. Pacientes perdem a sensibilidade dos pés e das mãos, podem se queimar no fogão, por exemplo, ou pisar em um prego e não sentir. Há casos em que perdem a força para movimento das mãos ou pernas e precisam de muletas ou cadeira de rodas.
Tratamento
Apesar de silenciosa, a hanseníase tem cura. Conforme o especialista, quanto mais precoce o diagnóstico, mais chances de tratar adequadamente e evitar incapacidades permanentes o paciente têm. O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente todo o tratamento contra a doença nos postos de saúde de todo o Brasil.
Com o diagnóstico clínico, o tratamento da doença consiste na utilização de antibióticos durante um período de seis meses a um ano, de acordo com a forma clínica da doença.
Vettorato outro ponto importante do tratamento: o combate ao preconceito. Segundo o dermatologista, muitos pacientes sofrem com piadas e isolamento social decorrentes das deformidades físicas que a doença ocasiona.
“Os medicamentos são seguros e eficazes. Ainda no início do tratamento, a doença deixa de ser transmitida. Familiares, colegas de trabalho e amigos, além de apoiar o tratamento, também devem ser examinados” salientou o Ministério da Saúde em seu site.
*Produção: Lucas de Oliveira