A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre completa 220 anos nesta quinta-feira (19), com uma trajetória integrada ao desenvolvimento da Capital e do Estado. Nesse período, o centro passou de uma instituição assistencial criada sob autorização da Coroa Portuguesa para um dos mais importantes complexos de saúde do Brasil, responsável por nove hospitais.
A Santa Casa é filantrópica, ou seja, uma organização privada sem fins lucrativos que oferece atendimento por meio de convênios/particular e pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
— A população do Rio Grande do Sul é a proprietária da Santa Casa e foi quem construiu esse patrimônio ao longo dos anos. Seguimos com a nossa proposta, que é cuidar de todos, mas especialmente dos que mais precisam: esse é o norte que trouxe a instituição até hoje e que a levará para o futuro — pontua Julio Matos, diretor-geral da Santa Casa.
A instituição é o hospital mais antigo em atividade no Estado e berço do primeiro curso de Medicina. Além disso, faz mais de 1 milhão de atendimentos e procedimentos por ano, dos quais sete em cada 10 são via SUS.
Para marcar a data, GZH listou seis momentos importantes na trajetória de mais de dois séculos da Santa Casa.
O início de tudo
Foi o frade católico Joaquim Francisco do Livramento quem sugeriu a criação da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Para isso, o religioso viajou a Lisboa, pois cabia ao rei de Portugal autorizar a instalação de hospitais nas colônias, caso do Brasil no início do século 19. Ao príncipe regente Dom João VI, o frade entregou um atestado da Câmara Municipal de Porto Alegre sobre a necessidade da criação da casa hospitalar.
À época, o município tinha 3,9 mil habitantes. Com autorização em mãos, a câmara porto-alegrense reuniu-se no dia 19 de outubro de 1803, data que passou a ser a da fundação oficial da Santa Casa de Porto Alegre. Entre 1803, quando foi fundada, e 1826, ano em que foi inaugurada, a instituição já exercia o propósito assistencial e atendia pessoas que buscavam ajuda, principalmente escravos, pobres e presos.
— Era muito mais uma casa de acolhimento dos “rejeitados” da sociedade. Logo depois começou a cumprir funções de natureza hospitalar, com a contratação do seu primeiro médico em 1829. Desde então, ela se integrou e foi extremamente importante em todos os movimentos sociopolíticos e culturais do Estado — resume o diretor-geral.
Vocação no ensino
A Santa Casa marca o início do estudo formal da Medicina no RS, com a criação, em 1898, da Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre. Antes disso, os médicos que atuavam no Estado eram os profissionais formados em cursos no Rio de Janeiro, Bahia e no Exterior. Anos depois, a faculdade foi absorvida pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Em 1953, a Santa Casa buscou a criação da Faculdade Católica de Medicina para ensinar e praticar a ciência médica dentro da instituição. A pedra fundamental foi lançada em 1957, para o desenvolvimento do que hoje é Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), da qual a Santa Casa é o hospital-escola. Ainda que não seja responsável por mais nenhuma faculdade, o foco no ensino segue hoje, com a atuação de 504 residentes na rotina diária.
— Eles desempenham inúmeras atividades, especialmente no atendimento ambulatorial aos pacientes do SUS. É um benefício enorme para o residente fazer a formação na Santa Casa, especialmente por se tratar de uma instituição que tem em complexidade uma de suas principais características — explica Antonio Kalil, diretor-médico e de ensino e pesquisa.
Ampliação da estrutura
Em 1925, surgiu o projeto de uma nova estrutura. Começava ali a construção do Hospital São Francisco, segunda unidade da Santa Casa, localizada no mesmo quarteirão, no centro de Porto Alegre. A pedra fundamental foi lançada em 1º de janeiro de 1926 e a inauguração ocorreu quatro anos depois.
— A construção realizava um velho sonho do corpo clínico e conciliava três pontos fundamentais: o avanço da Medicina, maior capacidade para atender uma demanda populacional e a criação de uma nova frente de renda para manutenção do hospital geral, que atendia especialmente a população carente da cidade e seus arredores — afirma Edna Ribeiro de Ávila, historiadora do Centro Histórico-Cultural Santa Casa.
Outros dois acréscimos importantes à estrutura no período são as inaugurações da Maternidade Mário Totta (1940) e do Hospital São José (1946).
Início dos anos 2000
O século 20 começou com investimentos na estrutura do complexo. Foi nesse período que ocorreu a ampliação e modernização do Hospital Santa Rita, o centro oncológico fundado na década de 1970. Já em 2001, outro passo importante: a inauguração do Hospital Dom Vicente Scherer, primeira instituição médico-hospitalar da América Latina com um centro específico para a realização de todos os transplantes de órgãos e tecidos. A atuação nessa área já ocorria na Santa Casa desde a década de 1980.
— Se por um lado a Santa Casa vinha ganhando reconhecimento nacional na área de transplantes, por outro, sua estrutura tinha dificuldades de acompanhar a quantidade de cirurgias realizadas. Foi a partir desse momento que se começou a pensar em um espaço centralizado, capaz de realizar transplantes de diversos órgãos — acrescenta a historiadora.
Em 2002, ocorreu a inauguração do novo Hospital da Criança Santo Antônio, que deixou o 4º Distrito para integrar o complexo no Centro. O evento fez parte das comemorações do bicentenário da Santa Casa.
Nova emergência SUS
No aniversário de 219 anos da Santa Casa, um investimento mudou os atendimentos no SUS: a nova emergência, em um espaço tem 2.325 m², quatro vezes mais do que a estrutura anterior.
— Antes (na emergência antiga) tínhamos dificuldade até para acomodar pacientes e familiares, agora temos leitos individuais que permitem que o familiar permaneça ao lado do paciente, em uma poltrona confortável. Isso tudo reflete em segurança para quem precisa de cuidado, mas também para os profissionais que atuam diariamente na linha de frente — pontua Julio Matos, diretor-geral da Santa Casa.
Hospital Nora Teixeira
O investimento na emergência do SUS faz parte da construção do Hospital Nora Teixeira, que começou a receber pacientes particulares e de convênios em maio e tem inauguração oficial marcada para esta quinta-feira, quando a instituição completará 220 anos. O empreendimento já captou R$ 234 milhões, principalmente de doações.
Mais que qualificar o atendimento, a estrutura e o conhecimento da Santa Casa, o novo centro foi pensado para garantir a segurança financeira do complexo. Isso porque, segundo a direção, o atendimento público causa um déficit anual na casa dos R$ 150 milhões, que é coberto com o lucro obtido de convênios e particulares.
“Arrecadar” no serviço pago para cobrir o custo do público é uma maneira encontrada para manter em dia as finanças da instituição, argumenta Fernando Lucchese, diretor-médico do Hospital Nora Teixeira:
— A missão da Santa Casa sempre foi atender a população em geral, mas, em primeiro lugar, os carentes. Mas, para isso, precisamos de um faturamento suficiente e é o que queremos com o Nora Teixeira: que ele dê sustentabilidade financeira para os atendimentos do SUS.
Números (2022)
- 1 milhão de atendimentos por ano
- 880 mil consultas médicas
- 60 mil internações
- 70 mil procedimentos cirúrgicos
- 6,5 milhões de exames e diagnósticos
- 9,8 mil colaboradores
- nove hospitais administrados