A partir do momento em que há a autorização da família para uma doação de órgãos, uma sequência de ações passa a ocorrer até o transplante. A principal delas é feita pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT), que de forma informatizada, avalia cada um dos candidatos para aquele órgão e cria uma lista de potenciais receptores. Especialistas ouvidos por GZH afirmam que a definição da lista passa pela compatibilidade do órgão com a situação de cada pessoa que aguarda pelo procedimento.
Primeiro, as equipes médicas dos hospitais informam para a Central Estadual de Transplantes e repassam todas as informações clínicas e exames do potencial doador. Estes dados são inseridos no Sistema, que cruza com as informações sobre cada um dos receptores ativos. É neste momento que a compatibilidade entra em cena.
Inicialmente, é feita a busca por receptores compatíveis a partir do tipo sanguíneo do doador – que poderá ser um dos quatro existentes: A, B, AB e O. A cirurgiã torácica do grupo de transplante pulmonar da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Fabíola Adelin Perin, afirma que o SNT também compara o porte físico do receptor com o doador.
— Imagina que se eu tenho um doador de 1,80m e a primeira receptora da lista para aquele tipo sanguíneo é uma mulher de 1,50m com 47kg, esse pulmão vai ficar muito grande para ela. Ao contrário também, se o meu doador tem 1,50m e o meu primeiro receptor tem 1,85m, esse pulmão vai ficar pequeno. Então eu tenho que passar para o próximo. Eventualmente, até é possível adaptar o tamanho, mas existem limites — explica.
O Sistema considera também fatores como a situação de saúde da pessoa que aguarda pelo órgão – aqueles mais graves têm prioridade – e o Estado em que está o doador. Para evitar o risco de perda, é feita inicialmente a varredura de potenciais receptores no mesmo Estado do doador e depois ocorre a expansão da procura para outras unidades federativas.
O coordenador da Central Estadual de Transplantes, Rafael Rosa, explica que todas as informações geram uma pontuação, que é contabilizada pelo Sistema Nacional de Transplantes. Os potenciais receptores que tiverem o maior score entram nas primeiras posições.
— Quando o receptor entra na lista, ele até pode consultar no SNT uma posição que ele está, mas não necessariamente aquela posição vai ser a que vai sair na lista quando surge o doador. Então, é dinâmica. As vezes, a gente fala em tempo, em lista, mas se a pessoa aumentou a gravidade, ela vai ganhar uma pontuação maior — afirmou o coordenador.
Corrida para chegar ao receptor
As vezes, a gente fala em tempo, em lista, mas se a pessoa aumentou a gravidade, ela vai ganhar uma pontuação maior
RAFAEL ROSA
Coordenador da Central Estadual de Transplantes
A partir do momento que a ordem de receptores é definida, as equipes transplantadoras são informadas e se inicia a etapa de coleta e transporte até o hospital onde será feito o procedimento. Nesta fase, a Central Estadual de Transplantes fica responsável pela logística do transporte – se será por via terrestre ou aérea.
— Em alguns casos, quando tem múltiplos órgãos, às vezes, o coração tem que chegar ao destino antes. Se coração e pulmão vão de avião, a equipe fica fazendo a retirada dos outros órgãos e a gente ou manda outro avião ou, em alguns casos, a equipe renal, por exemplo, volta de carro. Então, a gente faz essa logística sempre considerando o tempo — explicou Rosa.
A preocupação com o tempo é algo constante nesta etapa. A enfermeira Karla Cusinato Hermann, que participa da coordenação da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (Cihdott) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), explica que há uma tabela que dimensiona os tempos limites para cada órgão sair do corpo do doador até o implante no receptor, mas que não são fixos – chamado de tempo de isquemia.
O órgão tem que ficar dentro de uma solução especial e também com gelo pra ser preservado de forma adequada.
— O órgão tem dentro dele a solução de preservação e tá mergulhado também nessa solução, ficando no gelo, mas não em contato direto, mas num ambiente de gelo. Ele pode até ficar naquela maleta térmica — ressaltou Hermann.
A preferência pelo transporte aéreo é para os órgãos em que o tempo de isquemia é mais curto, como o coração e o pulmão. O Rio Grande do Sul possui um contrato com a empresa UniAir, especializada no transporte aeromédico. Os aviões conseguem pousar em pistas que tenham as condições básicas de estrutura e estão em constante comunicação com as equipes médicas que fazem a coleta dos órgãos.
— Nós temos prioridade nos aeroportos para pousos e decolagens e percebemos que melhorou muito a captação de órgãos nos últimos anos. Em todo 2022, somente nós fizemos 55 voos para captação. Neste ano, até o mês de julho, já foram 44 transportes — revelou o médico e presidente da UniAir, Maurício Goldbaum.
No transporte terrestre, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) nas estradas e a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) em Porto Alegre têm papel importante para garantir a escolta dos veículos da Secretaria Estadual da Saúde (SES) até os hospitais onde ocorreram os transplantes.