O Ministério da Saúde deve publicar nos próximos dias, no Diário Oficial da União, uma decisão bastante aguardada pela comunidade da fibrose cística no Brasil. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) emitiu uma recomendação final favorável à incorporação do Trikafta na lista de medicamentos a serem distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O registro foi feito na quinta-feira (3).
Entidades que prestam assistência a pacientes e suas famílias classificam a decisão como histórica. Segundo o Instituto Unidos pela Vida (Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística), é um tratamento disruptivo, com potencial de mudar o curso da doença.
— Quando o paciente tem indicação médica e faz uso dessa medicação, tem seus sintomas reduzidos quase a zero. Temos casos de pessoas que já saíram de fila de transplante por causa do uso do medicamento. Foi uma vitória muito grande, uma batalha imensa para conseguir que o Trikafta fosse registrado no Brasil e depois integrado ao SUS — comemora a diretora executiva e fundadora do instituto, Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira.
Hoje, o tratamento com este fármaco costuma ser obtido através do Poder Judiciário. Como a medicação pode custar até R$ 140 mil, a maioria das famílias decide recorrer à Justiça Federal.
O que é a fibrose cística
A fibrose cística, também conhecida como Mucoviscidose, é uma doença rara e hereditária que afeta principalmente pulmões, pâncreas e sistema digestivo. Um gene defeituoso e a proteína produzida por ele fazem com que o corpo produza secreção (muco) de 30 a 60 vezes mais espesso que o usual.
— Para ficar mais fácil de entender: é como se a gente quisesse passar um brigadeiro por um canudinho. O brigadeiro é muito espesso e não vai conseguir passar pelo canudo. E a secreção de quem tem fibrose cística, ou seja, a secreção pulmonar quando a pessoa está mais resfriada, a secreção do pâncreas quando o paciente se alimenta e são liberadas enzimas, todas as glândulas não conseguem eliminar as secreções adequadamente porque são mais grossas. E isso vai gerar vários sintomas — explica Verônica de Oliveira, diagnosticada aos 23 anos.
Entre os principais sintomas, estão tosse que não passa, suor mais salgado que o normal, episódios frequentes de pneumonia, diarreia e até dificuldade para ganhar peso e estatura. Apesar de atingir todos os sistemas do corpo, as complicações pulmonares são responsáveis pelo maior risco de morte dos pacientes.
Atualmente, o Instituto Unidos pela Vida estima que aproximadamente seis mil pessoas tenham sido diagnosticadas com fibrose cística no Brasil. Considerada de origem europeia, a maioria dos casos se concentra nas regiões Sul e Sudeste. Ela costuma ser identificada através de exames genéticos e, principalmente, pelo teste do pezinho.
De nome comercial Trikafta, o medicamento recém-aprovado para distribuição pelo SUS possui como princípio ativo a combinação de outros três fármacos de nova geração: elexacaftor, tezacaftor e ivacaftor. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), podem fazer uso apenas pessoas com indicação médica, que tenham seis anos de idade ou mais e que possuam pelo menos uma cópia da mutação delta F508 – responsável por 70% dos casos e associada a uma apresentação clínica mais grave.
Em memória do neto Leonardo
Cleci Furian Muller tem 73 anos de idade. Mesmo sem ter sido diagnosticada, a fibrose cística faz parte de sua vida há 25 anos, quando nasceu o neto Leonardo. Foi através do teste do pezinho que a família descobriu a doença.
Logo que nasceu, Leonardo Muller precisou passar por uma intervenção cirúrgica. Ao longo dos anos, passou por um tratamento contínuo que envolveu ingestão de enzimas digestivas antes de cada alimentação, fisioterapia e nebulizações duas vezes por dia, além de ingestão de medicações.
— Todo o tratamento feito foi para mantê-lo com uma certa qualidade de vida, mas como é uma doença progressiva, foi se agravando cada vez mais. Ele chegou no ponto que precisaria fazer transplante dos dois pulmões e do fígado porque desenvolveu cirrose.
Há cinco anos, Leonardo faleceu devido às complicações da fibrose cística. Hoje, Cleci é presidente da Associação Gaúcha de Assistência à Mucoviscidose (Agam). Ela comemora junto com as demais famílias à autorização da distribuição do Trikafta via SUS, mas lamenta que a decisão não tenha chegado a tempo de salvar, quem sabe, o próprio neto.
— E assim como ele, muitos outros não conseguiram esperar essa medicação.
A decisão da Conitec, agora, precisa ser referendada pela publicação no Diário Oficial da União. De acordo com a Lei 12.401/2011 e o artigo 25 do Decreto 7.646, a partir daí, as áreas técnicas terão o prazo máximo de 180 dias para efetivar a oferta do medicamento no SUS. No entanto, a velocidade de implementação não costuma seguir a mesma da legislação, com múltiplas etapas.