Da dor, Juliane Fetzer, 34 anos, gerente, tem tirado forças para ajudar outras famílias a não enfrentarem a situação que ela e o marido Patrique Fetzer, 41, vendedor, viveram com o filho, Arthur. O pequeno, de um ano e três meses, morreu no dia 25 de junho, depois de três dias com sintomas de uma doença que tardou a ser diagnosticada. O caso foi um dos 19 óbitos por meningite bacteriana no primeiro semestre deste ano no Rio Grande do Sul — que registrou um aumento de infecções e mortes pela doença em relação ao ano passado.
A vacina para a bactéria que atingiu Arthur — o meningococo do tipo B — não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), apenas na rede privada. Agora, o casal de Estância Velha, no Vale do Sinos, mobiliza um abaixo-assinado pela inclusão do imunizante no Calendário Nacional de Vacinação e pela conscientização dos pais sobre a importância da imunização.
— O objetivo maior é a gente se conscientizar e se responsabilizar com nossos filhos de vacinar, porque tem gente que não faz nem a vacina do SUS, que é de graça. Os pais precisam ficar mais atentos ao que está acontecendo com a saúde dos filhos, exigir um pouco mais essa questão de exames, para entender um pouco mais o diagnóstico e o que está sendo receitado de remédio para as crianças, entender a origem real do problema — defende.
Em uma quinta-feira, o pequeno começou a apresentar uma febre repentina de 39,1ºC. Os pais estranharam, já que o filho estava bem anteriormente. Arthur continuou com febre na madrugada de sexta e, pela manhã, teve o primeiro contato com o médico. No sábado, novamente teve de ir a uma consulta, pois estava "extremamente ruim". Ele foi diagnosticado com laringite nas duas vezes em que a família procurou o pronto-atendimento, apesar de uma grave mudança de comportamento, com dores.
— Mudou da água para o vinho de sexta para sábado, e de sábado para domingo ele veio a falecer. No sábado de noite, começaram os sintomas mais estranhos, que aí tinha muito mais clareza de que seria dessa doença. Manchas começaram a surgir. Começou com uma mancha no pé, e a mancha se estendeu até a canela até chegar ao hospital — conta.
O pequeno recebeu diferentes diagnósticos iniciais, como dengue hemorrágica e trombose. Ao longo da noite, a equipe médica iniciou o tratamento com antibióticos, considerando que poderia ser meningite bacteriana. Entretanto, Arthur teve de aguardar por um leito de unidade de terapia intensiva (UTI) até a manhã de domingo, sendo atendido provisoriamente até sua transferência. Porém, o pequeno não resistiu e faleceu por volta das 13h.
A família só descobriu que o diagnóstico de laringite estava errado ao chegar na emergência. O óbito foi declarado como meningococcemia (infecção generalizada pela doença).
— Imagina meu desespero, tu vai com o sentimento de que vai tomar remédio e vai melhorar, e eles começam a dizer que é grave e é tal doença, e tu começa a pesquisar porque não entende e começa a ver um monte de coisa de morte. Eu literalmente entrei em pânico na emergência, porque foi muito inesperado — lamenta a mãe.
Sem vacina para o meningococo do tipo B
As crianças, sobretudo de até cinco anos, têm maior risco para a meningite. Especialistas reforçam que a principal causa do aumento de casos e mortes são as baixas coberturas vacinais, apesar de os imunizantes contra meningite integrarem o calendário básico das imunizações infantis — com exceção da meningocócica B.
Juliane não sabia muito sobre a doença, nem que havia uma vacina contra o meningococo B disponível na rede privada. Ela também não conhecia o teste da nuca, que não foi realizado pelos médicos que atenderam Arthur nas primeiras ocasiões.
Eu tenho meus altos e baixos, e a lembrança e a saudade dele vão ficar para sempre
JULIANE FETZER
Mãe de Arthur
— São informações bem isoladas, existem algumas pessoas que já ouviram falar desde criança, outras que nunca ouviram. No meu caso, não tinha ouvido, tanto que ele não tinha essa vacina do particular. Tinha todas as outras vacinas completas, tanto que em julho ia fazer mais uma — lastima.
A mãe também frisa que ouve que a doença que acometeu seu filho é rara, mas cita ao menos outros dois casos em sua região.
— O que é essa raridade que acham que três podem morrer e está tudo certo? — questiona.
De acordo com Leticia Martins, técnica do Núcleo de Doenças Respiratórias do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs/RS), entre os sorogrupos dos meningococos detectados no Estado, de 2008 até 2013, a maior proporção era do meningococo B. Em 2013, houve uma inversão na frequência, e, desde então, o meningococo C tem tido maior proporção. Porém, atualmente, há um número maior de meningites por pneumococos — uma alteração em relação ao quadro pré-pandêmico, que era caracterizado por mais infecções por meningococos do que pneumococos.
Por outro lado, conforme o infectologista pediátrico Fabrizio Motta, coordenador do Controle de Infecção e Infectologia Pediátrica da Santa Casa de Porto Alegre, nos menores de cinco anos, o meningococo B tem aparecido como um dos principais agentes.
Questionado sobre a previsão de inserir a vacina meningocócica B no Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde não respondeu. O órgão destacou apenas que, atualmente, existem cinco vacinas que protegem contra a meningite bacteriana disponíveis no Calendário Nacional de Vacinação do SUS. Nenhuma dessas, porém, protege contra a meningocócica B. "É importante destacar que, até o momento, o meningococo C é o principal agente causador de doença meningocócica no país, representando atualmente mais de 60% dos casos da doença", afirmou a pasta.
O médico pediatra Juarez Cunha, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), pondera que, para uma vacina ser incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), vários fatores precisam ser analisados, como a epidemiologia (analisando número de casos, causas, gravidade, mortes de determinada doença), a eficácia, a segurança e o custo-efetividade.
— Para a saúde coletiva, que é o que o Ministério preconiza, são fundamentais esses aspectos, mas para a saúde individual, que é o que as sociedades científicas preconizam, são aspectos que tu não considera, tu considera só a proteção individual. Individualmente é mais interessante ampliar a proteção, porque há um número muito menor de casos, mas eles continuam acontecendo — pontua.
Há uma tendência das vacinas serem incorporadas ao SUS com o passar do tempo, acrescenta o médico.
— Se o meningococo B se tornar epidemiologicamente importante, vai ser discutida essa decisão, que envolve vários setores da rede pública — acrescenta.
Luta coletiva
Inquieta com o desfecho do caso de seu filho, Juliane decidiu criar um abaixo-assinado pela inclusão da vacina meningocócica B no SUS. A petição já arrecadou mais de 54 mil assinaturas. A gerente se uniu nessa luta a outras famílias que perderam filhos para a doença.
— Acho que foi uma forma também não de justificar (a morte), mas acredito que foi um propósito de ele estar indo, para que, de alguma forma, eu fizesse algo, então resolvi fazer isso — ressalta.
Na petição, a organizadora lembra que já há um projeto de lei, de autoria do deputado federal Dagoberto Nogueira (PSDB-MS), em tramitação na Câmara dos Deputados, que prevê a inclusão da vacina no PNI. Porém, não há previsão para a votação do projeto. A proposta dos pais, portanto, é conseguir dar mais visibilidade ao tema e, consequentemente, acessibilidade às famílias.
— Porque, no nosso país, existe uma porcentagem muito grande de famílias que não têm condições de bancar uma vacina dessas. Hoje tem muita mãe me mandando mensagem de que está apavorada porque não vai ter condições de fazer — afirma.
Importância da vacinação
Com a situação, Juliane e Patrique também desejam despertar outros pais para a importância de levar os filhos para se vacinarem. Assim, o casal espera ajudar outras famílias — para que ninguém mais passe por isso.
— Porque é muito sofrido. Eu, de alguma forma, estou muito forte com isso, eu tenho meus altos e baixos, e a lembrança e a saudade dele vão ficar para sempre. Mas acredito que o pouco de pessoas que posso ajudar a proteger e a salvar de alguma forma vai me confortando — afirma a mãe de Arthur.