A Justiça Federal no Rio Grande do Sul condenou os responsáveis pela publicação de material publicitário que citava os possíveis benefícios do tratamento precoce contra a covid-19 a pagar R$ 55 milhões. O grupo foi julgado em duas ações ajuizadas pelo Ministério Público Federal (MPF) no Estado. As decisões são do juiz Gabriel Menna Barreto Von Gehlen, da 5ª Vara Federal de Porto Alegre, e foram proferidas na quarta-feira (24).
As sentenças são relativas a processos por danos morais coletivos e à saúde. O Médicos Pela Vida (Associação Dignidade Médica de Pernambuco - ADM/PE) foi condenado em R$ 10 milhões. Já a Vitamedic Indústria Farmacêutica, o Centro Educacional Alves Faria (Unialfa) e o Grupo José Alves (GJA Participações) receberam multa de R$ 45 milhões. Eles podem recorrer das decisões, que são de primeira instância.
Por meio de nota, o Médicos Pela Vida (MPV) informou que recorrerá da decisão e reafirmou o posicionamento em favor do tratamento precoce contra covid-19 (leia a nota completa no fim da reportagem).
— O Médicos Pela Vida basicamente foi financiado pelo Grupo José Alves. A questão foi a forma que uma publicidade de medicamentos foi feita, induzindo a população a consumi-los em um momento difícil para o país e sem as advertências necessárias, de uma forma pública — explica a procuradora Suzete Bragagnolo, do Núcleo de Seguridade Social, Previdência Social e Assistência Social do MPF, uma das responsáveis por ajuizar a ação.
Suzete diz que os anúncios publicados em jornais deveriam ter seguido as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que regram a publicidade de medicamentos e vedam o estímulo e a indução ao uso. A decisão judicial também reconheceu omissão da agência no caso, que não teria autuado ou aplicado suas próprias regras contra os responsáveis pela publicação:
— A publicidade de medicamentos está restrita às revistas científicas e ao meio médico. Segundo a Anvisa, deve conter também vários requisitos, como alertar sobre efeitos adversos e a necessidade de receituário — afirma a procuradora.
Além disso, a promoção ao uso “off-label” - ou seja, fora da bula - também contou para a decisão, pois os medicamentos não são registrados na agência sanitária para o uso contra a covid-19, divulgado no manifesto. Segundo o MPF, o material era divulgado à população em geral com a indicação de médicos que prescrevem o tratamento do denominado “kit covid”.
Conforme a decisão, no informe publicitário, o Médicos Pela Vida, com sede no Recife (PE), mas que reúne profissionais registrados no Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), citava os possíveis benefícios do intitulado “tratamento precoce” para a covid-19, e informava expressamente os medicamentos.
“Tal referência, no entanto, é realizada sem qualquer indicação de possíveis efeitos adversos que podem decorrer da utilização desses medicamentos, além de possivelmente estimular a automedicação, uma vez que era indicado por associação médica”, afirma a sentença.
Para o magistrado, ficou comprovada a cumplicidade entre a Vitamedic e o Médicos Pela Vida, tendo a empresa farmacêutica financiado a propaganda irregular, investindo R$ 717 mil nessa publicidade, "conforme admitido pelo diretor da Vitamedic, fabricante do medicamente ivermectina, durante depoimento na CPI da covid no Senado Federal".
Segundo a decisão, tendo sido "configurada a interposição de pessoa ilícita, fica evidenciado que o ‘manifesto pela vida’ foi mecanismo ilícito de propaganda de laboratório fabricante de medicamento, servindo a ré do triste papel de laranja para fins escusos e violadores de valor fundamental, a proteção da saúde pública".
Ao justificar o valor imposto nas sentenças, o juiz destaca que "só pura publicidade ilícita de medicamentos, pelos riscos do seu uso irracional, já representa abalo na saúde pública e sua essencialidade impõe a devida reparação".
Ao analisar a participação da Anvisa no caso, a Justiça Federal reconheceu a atuação equivocada do órgão, que "se esquivou a todo tempo de aplicar a sua própria norma sobre publicidade de medicamentos". Assim, a decisão reconhece a omissão da Anvisa ao não ter atuado a associação para aplicar as penalidades previstas no caso.
GZH tentou contato pelo telefone comercial da Vitamedic Indústria Farmacêutica, mas uma gravação informou que estava fora do horário de atendimento. Já as ligações para o Grupo José Alves e o Centro Educacional Alves Faria não foram atendidas. A reportagem também aguarda o posicionamento da Anvisa.
Leia íntegra da nota do Médicos Pela Vida (MPV) sobre a condenação
Fomos todos surpreendidos pela decisão, que foi divulgada no site do MPF-RS. É importante destacar que os “médicos pela vida” é um movimento composto por dezenas de milhares de médicos do Brasil e da América Latina, independentemente de sua ligação com a associação Médicos Pela Vida (MPV).
Durante a pandemia da Covid-19, esses profissionais se empenharam em estudos intensivos, buscando as melhores evidências científicas de acordo com a hierarquia da Medicina Baseada em Evidências (MBE), elaborando protocolos, publicando manifestos, produzindo palestras e congressos mundiais no Brasil e no mundo, presenciais e virtuais sempre destacando a importância do diagnóstico precoce e tratamento imediato da doença com reposicionamento de medicamentos seguros e eficazes em doenças com etiologia e fisiopatogenia semelhantes em todas as fases da doença a fim de reduzir danos e a letalidade.
Desde 2020 já existiam evidências científicas da eficácia de muitos medicamentos que foram se confirmando com estudos científicos mais amplos e maior grau de certeza de acordo com a MBE que, sem dúvida, contribuíram para salvar milhares, senão milhões de vidas no Brasil e em todo o mundo. Nós somos o que existe também em outros países. Há entidades semelhantes de médicos em defesa da saúde e da vida das pessoas em todos os continentes.
Nos últimos três anos, tem havido um aumento significativo nos estudos científicos que comprovam de forma inquestionável a eficácia e segurança de medicamentos reposicionados no tratamento da Covid-19, bem como na redução substancial da letalidade da doença. Apenas para citar alguns exemplos, dentre as dezenas de drogas reposicionadas, a hidroxicloroquina, como um exemplo inicial, agora possui uma meta-análise de alto nível de evidência científica, baseada em estudos “padrão ouro”, conduzida por pesquisadores de Harvard e do Ministério da Saúde da Espanha. Essa pesquisa foi publicada na conceituada Revista Europeia de Epidemiologia, um periódico científico de grande impacto (fator de impacto de 12.434). Essas instituições de renome garantem que estávamos no caminho certo, mesmo quando as evidências ainda eram discretas.
Fluvoxamina possui meta-análise com revisão sistemática, apenas incluindo estudos “padrão ouro”, publicada na JAMA. Budesonida possui estudo “padrão ouro”, feito na Universidade Oxford, uma das mais conceituadas do mundo, e publicado na Lancet, com fator de impacto de 30.700.
Desde 2020 já existiam evidências científicas da eficácia do tratamento precoce da COVID-19, que foram ficando cada vez mais robustas e replicadas em estudos científicos publicados por médicos cientistas de todo o mundo, independentes e sem conflitos de interesses, nas mais prestigiosas revistas científicas.
A história comprovou que os médicos pela vida e todos os outros profissionais de saúde ao redor do mundo, que defenderam e implementaram o tratamento imediato estavam corretos. Os resultados são evidências disso, e inúmeras vidas foram salvas como resultado de suas ações.
A associação MPV defende firmemente a própria liberdade, representada pela autonomia médica e pela liberdade de escolha do paciente que deseja ser tratado e acompanhado por seu médico de confiança assim que seja feito o diagnóstico da tão temida e perigosa doença que surgiu em 2019. Está em jogo a ética médica e a dignidade da pessoa humana.
Manifestamos respeito às instituições e reconhecemos a importância do Ministério Público. Todavia, o próprio MP adotou diferentes abordagens no país. Parte do Ministério Público buscou promover o debate científico e respeitar a ciência, ouvindo e respeitando os médicos. Por outro lado, houve uma outra parte que seguiu uma abordagem sem adentrar no campo técnico e tentando ditar o que os médicos devem ou não fazer, assim como ditando o que os pacientes podem ou não utilizar em seus tratamentos. Isso não é ciência e nem medicina.
É importante lembrar que parcela do Ministério Público ingressou com ações judiciais contra o município de Porto Alegre, buscando impedir o tratamento dos cidadãos. Neste contexto, o MPV atuou ao lado do município como amicus curiae, oferecendo embasamento técnico, científico e defendendo o direito das pessoas de receberem o tratamento imediato, evitando o agravamento da doença, suas sequelas e a ameaça de morte. Dessa forma, o MPV contribuiu significativamente para salvar muitas vidas.
Os médicos precisam trabalhar com as melhores evidências científicas disponíveis e ter a necessária autonomia em suas práticas. Além disso, os cidadãos têm o direito de fazer suas escolhas em relação aos seus tratamentos.
O nosso manifesto, que defende o uso de medicamentos genéricos, acessíveis e sem patentes, estava disponível em nosso website muito antes de ser publicado nos jornais. O manifesto não contou sequer com menção de qualquer fabricante de medicamentos, que como dito, nem mesmo tem patentes vigentes e são produzidos por diversos laboratórios de todo o mundo.
Sem dúvida, teria sido mais fácil para nós, médicos, se tivéssemos trabalhado em silêncio, apenas cuidando e salvando a vida de nossos familiares e amigos próximos acometidos por tão grave doença. No entanto, isso não está de acordo com o nosso entendimento da ética médica e compaixão, por isso exercemos o direito – ou o dever – de expor nossa posição para a população em geral, sem obter nenhum benefício financeiro.
A atual decisão judicial, amplamente divulgada pela imprensa, com o devido respeito, não foi precisa quanto à inexistência factual de qualquer propaganda, parece ignorar completamente toda a fundamentação científica em milhares de estudos apresentados nos autos. Apesar do respeito ao Judiciário, não reconhecemos nenhuma irregularidade por parte da associação nem dos médicos compromissados com o juramento hipocrático, que se dedicam a cuidar e salvar vidas. Portanto, naturalmente, discordamos dessa sentença monocrática. Por essa razão, o MPV irá recorrer pois continuamos a acreditar no Judiciário.
Para finalizar, voltamos a repetir a afirmação, que sabemos ser inconveniente e perturbadora: sim, sempre existiu e continua existindo tratamento eficaz da Covid com medicamentos seguros, baratos e sem patentes. Milhares de brasileiros foram deixados à própria sorte. Como questiona o Dr Prof infectologista Didier Raoult, Index-H de 179, “é ilegal salvar vidas?”