A ivermectina não se mostrou eficaz para evitar que pacientes com covid-19 fossem internados, de acordo com o resultado de um grande ensaio clínico publicado na quarta-feira (30) no The New England Journal of Medicine. A pesquisa envolveu 1.358 pessoas infectadas pelo coronavírus em 12 cidades de Minas Gerais.
Pesquisadores realizaram um estudo duplo-cego, com pacientes que tiveram sintomas de covid-19 por até sete dias entre 23 de março de 2021 e 6 de agosto de 2021, principal pico de mortes da pandemia no Brasil. Metade foi aleatoriamente designada para ser medicada com ivermectina (679 pacientes) e outra metade recebeu placebo (679 pacientes). Por ser duplo-cego, médicos nem pacientes sabiam o que havia sido administrado.
— O resultado demonstrou que nós não tivemos nenhuma sinalização de benefício da medicação para tratar a covid — disse o pesquisador e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) Gilmar Reis, que liderou o estudo.
Voluntários que tomaram ivermectina nos primeiros três dias após um teste positivo de coronavírus, inclusive, tiveram resultados piores do que os do grupo placebo. O estudo foi revisado por pares antes de ser publicado no periódico científico.
A ivermectina normalmente é usada como medicamento antiparasitário e demonstrou ter eficácia clínica no tratamento contra oncocercose (infecção por verme), estrongiloidíase (infecção intestinal) e sarna. No início da pandemia, pesquisadores passaram a testar vários medicamentos contra o covid-19 e surgiu a hipótese de que a ivermectina poderia bloquear o coronavírus, o que não se confirmou.
Ideologização
— Vimos grande ideologização da ivermectina no nosso país, e também nos Estados Unidos. Hoje, no Brasil, isso reduziu muito, mas nos Estados Unidos continua muito intensa — diz o pesquisador. — Então, nós julgamos que tínhamos todos os pressupostos para estudar o medicamento.
A motivação para ir atrás desses resultados, explica Reis, partiu também de uma inquietação por um remédio para combater a doença.
— O mundo está numa corrida contra o tempo na tentativa de encontrar terapêuticas para a covid. Nós entendemos que diante da pandemia, a gente precisava dar respostas rápidas, consistentes e robustas — explica. — Para isso, desenvolvemos uma rede de colaboração. Fiz o desenho do protocolo de pesquisa e recebemos as aprovações regulatórias — acrescenta Reis.
Conduzido em pacientes da rede pública, o estudo contou com o auxílio de prefeitos e secretários de Saúde. Para dar consistência à parte metodológico, teve apoio ainda de pesquisadores de universidades como a McMaster, do Canadá, e a de Stanford, nos Estados Unidos.
Segundo o pesquisador, a expectativa agora é que os resultados obtidos pelo estudo gerem efeitos no tratamento da covid.
— Com certeza, em diversas partes do mundo, vão parar de consumir ivermectina — aponta Reis.
— Agora que as pessoas podem mergulhar nos detalhes e nos dados, esperamos que isso desvie a maioria dos médicos da ivermectina para outras terapias — disse David Boulware, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Minnesota, ao jornal The New York Times.