Aposta no combate ao câncer, a terapia celular CAR-T Cell tem dado respostas que empolgam oncologistas do mundo inteiro. Apesar de em países da Europa e da América do Norte o tratamento ser mais antigo – nos Estados Unidos, é adotado há seis anos –, no Brasil, o procedimento é novidade: o primeiro produto foi lançado no mercado brasileiro no final de novembro, quando também foram iniciados dois estudos clínicos.
Na prática, o que a CAR-T Cell faz é extrair células do corpo do paciente, “reprogramá-las” para atacar as células cancerígenas e reinjetá-las no indivíduo. Renato Cunha, que é líder nacional de Terapia Celular do Grupo Oncoclínicas, usa como metáfora o funcionamento de chaves e fechaduras.
— Imagine que, na superfície do tumor, tem uma fechadura que a gente conhece. Quando eu faço a coleta das células, eu faço com que elas recebam a chave para aquela fechadura. Quando a célula com essa chave é injetada novamente no organismo, ela passa a conseguir conectar na fechadura do tumor, e o tumor, então, morre — relata o hematologista.
O tratamento foi criado dentro de uma aposta na imunoterapia, nos últimos anos, para combater o câncer. Até então, o tripé clássico eram os procedimentos cirúrgicos, a quimioterapia e a radioterapia. A imunoterapia surgiu com uma lógica diferente: trabalhar aspectos do sistema imunológico do paciente, para que ele combata as células do câncer, em vez de aplicar medicamentos que façam esse combate.
No caso da CAR-T Cell, no Brasil, seu uso tem ocorrido no combate a tumores hematológicos, como alguns casos de leucemia e de linfoma não Hodgkin, e deve ocorrer, em breve, também para quadros de mieloma múltiplo. A recomendação é de que a terapia seja utilizada entre pessoas cujos organismos não respondem mais a outros tipos de tratamento. Em São Paulo, o publicitário Paulo Peregrino, por exemplo, se tratava de um linfoma há 13 anos e estava prestes a receber cuidados paliativos quando, em abril, foi submetido ao procedimento. Em um mês, teve remissão completa do câncer.
O coordenador do Serviço de Oncologia Clínica da Santa Casa de Porto Alegre e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Rafael José Vargas Alves, destaca que os potenciais e os resultados têm sido muito animadores.
— Temos visto, na literatura médica, pacientes terem respostas dramáticas, de o tumor sumir. É uma tecnologia que acende uma fagulha de esperança, de que tenhamos algum tipo de tratamento que possa controlar a doença. Isso é extremamente relevante, e ainda mais se tivermos como fazer esse tratamento o Brasil — destaca Alves.
A realização de estudos clínicos por um consórcio formado pelo Instituto Butantan, pela Universidade de São Paulo (USP) e pelo Hemocentro de Ribeirão Preto tem dado bons resultados e pode ajudar a superar algo que ainda é desafiador na terapia com CAR-T Cell: seu acesso. Hoje, o custo do procedimento é pelo menos US$ 500 mil (em torno de R$ 2,5 milhões). Para além da avançada tecnologia envolvida, o motivo para o alto custo é a necessidade de transporte das células para centros no exterior, uma vez que não há locais autorizados hoje, no Brasil, a fazer esse tratamento. De 30 a 40 pessoas já passaram por esse tratamento no Brasil, em alguns casos por meio de decisões judiciais.
— A logística é tão sofisticada que o pacote de atendimento envolve até mesmo levar o paciente para a cidade brasileira que possui um dos 15 centros do país que, hoje, fazem o tratamento. No Rio Grande do Sul, ainda não há nenhum, por exemplo. Precisamos colocar o financiamento dessa terapia em discussão, porque, se não, o SUS (Sistema Único de Saúde) nunca vai recebê-la, e não é justo que ele vá só para uma minoria privilegiada — analisa Stephen Stefani, médico oncologista do Grupo Oncoclínicas RS.
Conforme Sergio Roithmann, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Moinhos de Vento, os avanços do desenvolvimento de um tratamento nacional são um “caminho espetacular”.
— Por enquanto, é um estudo ainda em fase experimental, mas seria uma enorme esperança para que possamos ter um produto que o governo brasileiro encampe e ofereça à população — salienta Roithmann.
O oncologista do Moinhos de Vento pontua, ainda, que o tratamento demonstra a importância do investimento em pesquisas no Brasil.
— Não podemos ficar reféns de tecnologias internacionais, porque isso é inviável para nós. Quando o pesquisador tem condições e financiamento, ele concorre em igualdade com estudos realizados no Exterior, ou até com vantagem, porque temos um sentimento social mais latente por aqui. Isso traz benefícios impressionantes para a nossa população — analisa o médico.
Stefani enxerga a estratégia, que mistura terapia genética, imunoterapia e tratamento oncológico, como revolucionária. Mesmo assim, ressalta que o tratamento não substituirá outros, como a quimioterapia e a radioterapia, e que não pode ser tratado como “cura do câncer”. Segundo Cunha, a estimativa é de que em mais ou menos metade dos pacientes com leucemia linfoide aguda, por exemplo, o tumor volte a se manifestar após a aplicação da CAR-T Cell. O índice, contudo, é animador – sem a terapia, o percentual de cura, nesses pacientes, é de 5%.