Um casal de Lajeado, no Vale do Taquari, foi o primeiro do interior gaúcho a obter autorização judicial para usar recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no custeio de fertilização in vitro, procedimento usado em casos de infertilidade. Será a quarta tentativa de uso da técnica pela família, que não teve sucesso nas outras três vezes.
A decisão saiu na última segunda-feira (15) e é a terceira do tipo no Rio Grande do Sul – outras duas já foram concedidas a casais de Porto Alegre, que ingressaram com seus pedidos em 2018 e 2022. Agora, os recursos do FGTS do marido poderão ser usados para custear o tratamento do casal, que descobriu a infertilidade há cerca de quatro anos. O trabalhador pode sacar seu Fundo de Garantia em caso de doenças graves, mas a norma vigente não contempla a infertilidade – por isso, foi necessário entrar na Justiça com um mandado de segurança.
— É uma jornada maçante e muito cansativa. Quando soubemos (da infertilidade), já tentamos conseguir recursos para os tratamentos porque, de fato, são caros. Na primeira vez que fiz, gastamos cerca de 30 mil. Tive de fazer estimulação ovariana porque, em razão da minha idade, (os ovários) já não funcionam como o de uma mulher mais jovem. Por isso há urgência — diz a mulher, 39 anos, que em conversa com GZH preferiu não ser identificada.
O procedimento é caro por precisar de medicações importadas e procedimentos laboratoriais complexos, como, em alguns casos, análise genômica de embriões. Não é incomum, no entanto, que casais paguem pelo procedimento e precisem tentar de novo, já que há alta probabilidade de insucesso em alguns casos.
— A taxa de sucesso do tratamento varia muito de caso a caso. Um dos fatores que mais impacta é a idade da mulher, já que quanto mais idade, menos óvulos e sobretudo óvulos de mais baixa qualidade. Há casos favoráveis com taxa de sucesso entre 60 a 70% de probabilidade de gravidez. Em contrapartida, há casos com taxas de 1% a 2%. A maioria dos casais fica entre 30 e 50% de chance de sucesso por tentativa, na média — explica o médico ginecologista Marcos Höher, diretor médico do Centro de Reprodução Humana do Hospital Bruno Born de Lajeado.
Na avaliação de Höher, como o tratamento é caro, podendo chegar a R$ 35 mil por ciclo, o acesso a recursos do fundo de garantia permite que casais que não tiveram sucesso na primeira vez tentem novamente em um curto espaço de tempo. Nesses casos, o fator cronológico é essencial, já que muitos casais são de mulheres na faixa dos 38 a 42 anos e correm contra o tempo para ter filhos.
Esperança diante da infertilidade
De acordo com a esposa, ela e o marido não precisaram vender bens, mas passaram a trabalhar redobrado e muito mais horas semanais para ganharem os recursos necessários para financiar o tratamento. Caso a autorização para o FGTS não viesse, a saída seria recorrer a um empréstimo no banco. Segundo ela, a família já gastou mais de R$ 100 mil em três tentativas de fertilização in vitro, além de sessões de estimulação ovariana.
— O tabu é uma das piores coisas, de não poder dizer que não consegue ter filhos. E, quando descobrimos, não tínhamos dinheiro. Na primeira vez, achamos que com R$ 30 mil íamos conseguir — diz ela, que relata que o casal abriu mão de comprar uma casa própria e trocar de carro para investir os recursos na fertilização in vitro.
O advogado Pietro Dal Forno, que ingressou com o mandado para o casal, diz que, na lei, o tratamento de fertilização in vitro não está incluído nas hipóteses para o saque dos depósitos do FGTS. No entanto, como o quadro de infertilidade conjugal "abala a vida psíquica" do casal, é possível equipará-lo às demais exceções, que incluem doenças como câncer, cardiopatias graves ou HIV/AIDS.
Isso porque, segundo o advogado, a legislação admite uma interpretação mais abrangente e extensiva quando o acesso a esses recursos financeiros contribuir para a promoção da dignidade humana e a concretização de um direito fundamental, como a família, que é protegida pela Constituição Federal. "Na aplicação da lei, o juiz tem o dever de atender aos fins sociais a que a mesma se dirige, realizando uma interpretação extensiva da norma, para além da literalidade do texto legal", explicou Dal Forno em nota à imprensa.
De acordo com Höher, a primeira etapa para o procedimento é a realização de exames e diagnósticos para identificar o casal que precisa realizar a fertilização in vitro. Em seguida, é feita a estimulação ovariana – injeções de hormônios para ajudar no amadurecimento dos óvulos femininos. Com isso, os óvulos e o sêmen são coletados e a fertilização é feita em laboratório, afirma o médico.
— Nos ciclos de estimulação ovariana, vamos contra a tendência natural e usamos injeções de hormônios por cerca de 10 dias visando fazermos crescer mais folículos e capturarmos mais óvulos. A ideia é: quanto mais óvulos, mais embriões, mais tentativas e, por conseguinte, mais chances de termos um ou dois bebês — diz.
A partir da fertilização no laboratório, o embrião se desenvolve por até seis dias em estufas e então, ou é congelado, ou é inserido no útero para gerar uma gravidez. Höher ressalta que em países estrangeiros, como a Dinamarca, 10% das crianças já nascem por procedimentos de reprodução assistida, o que atesta que a tecnologia é segura e eficaz.
Saiba quais as orientações para a fertilização in vitro na Justiça e na saúde
No advogado
- É necessário procurar um advogado para ingressar com um mandado de segurança pela liberação do FGTS
- Após a ação, o recurso financeiro depende de decisão favorável da Justiça
No médico
- O primeiro passo é o diagnóstico da infertilidade ou uma consulta, que pode ser de um casal homossexual ou de uma pessoa sem parceiros com intenção de engravidar, para começar o procedimento
- Em seguida, é feita a estimulação ovariana, com dez dias de injeções em média, além de ecografias para acompanhamento
- O sêmen e um óvulo são coletados e fertilizados em laboratório
- São feitas fertilizações in vitro, em laboratório, o que gera embriões – eles se desenvolvem por até seis dias
- A partir daí, ou o embrião é inserido no útero, ou é congelado por opção – guardado para mais tarde ou para ser feita uma análise genética, que vai identificar se aquele óvulo apresenta algum tipo de alteração, capaz de gerar síndromes, por exemplo