Falta de tempo, distância até o posto de saúde, perda da carteirinha ou dificuldade com o calendário vacinal podem estar por trás dos baixos índices de imunização infantil no Brasil. Isso é o que indica pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva, a pedido da farmacêutica Pfizer. Das mães entrevistadas, 66% já atrasaram ou perderam a vacinação dos filhos por uma dessas razões. Melhorar a comunicação das campanhas e facilitar o acesso à imunização, além de combater o avanço das fake news, estão entre os desafios para aumentar as taxas de cobertura.
Participaram 2 mil mães de crianças e adolescentes de até 15 anos, de todas as regiões do Brasil. A escolha foi a partir de amostragem, e as entrevistas, feitas pessoalmente. Segundo Renato Meirelles, presidente do Locomotiva, o estudo envolveu exclusivamente mulheres por serem as principais responsáveis pelo gerenciamento da saúde nas famílias.
— Se formos olhar para coberturas (vacinais) que oscilavam em cerca de 90%, hoje estão na faixa de 60% a 70% — afirma Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP):
— Não será da noite para o dia que resolvemos esse problema. Precisamos de múltiplas saídas, pois o motivo que faz alguém não se vacinar não é o mesmo no Pará, em São Paulo ou no interior do Rio Grande do Sul.
A principal razão apontada para o atraso ou para a não imunização foi o esquecimento da data da vacina, indicada por 50% das participantes. Falta de tempo para ir a centros de vacinação foi alegada entre 38% das mulheres; e 35% afirmaram que morar longe do posto é o principal obstáculo. Perda da carteirinha vacinal também apareceu como motivo para falta ou atraso para um quarto das entrevistadas.
O estudo ainda mostra que a organização e a compreensão do calendário vacinal das crianças podem ser os maiores problemas.
— Sessenta e oito por cento das mães disseram que já se sentiram confusas sobre vacinação e que falta informação sobre a melhor forma, o melhor local e a data correta para garantir a imunização dos filhos. Apenas 24% delas consideram o seu próprio nível de informação sobre vacinação elevado — diz Meirelles.
Não será da noite para o dia que resolvemos esse problema. Precisamos de múltiplas saídas.
RENATO KFOURI
Presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria
A dificuldade com o calendário vacinal também foi o motivo indicado por 45% das mães, quando questionadas sobre os motivos que mais atrapalham a vacinação infantil. Nesse sentido, dificuldades para chegar aos locais de vacinação (39%) e restrição de horários de funcionamento dos órgãos de saúde (39%) também foram declarados como barreiras no acesso, conforme a pesquisa.
A falta de confiança no imunizante — o que pode revelar efeitos do espalhamento de fake news e do negacionismo — foi declarada por 17% das participantes. Segundo o estudo, 16% delas afirmam que não levam seus filhos para tomar todas as vacinas recomendadas para a faixa etária da criança.
Desigualdade social fortalece dificuldade de acesso
A desigualdade social, evidenciada por fatores como renda, região e escolaridade, potencializa as dificuldades das mães. Enquanto 52% das mulheres das classes A/B afirmaram considerar elevado o seu conhecimento sobre vacinação; só 18% das entrevistadas das classes D/E têm a mesma percepção.
A sobrecarga da mãe nos cuidados com a saúde também é abordada no estudo, sendo que só 36% das entrevistadas dizem receber acompanhamento ou auxílio para lembrar datas de vacinação das crianças. A taxa sobe para 51% entre mães de classes A/B, mas cai para 25% entre participantes da Região Norte. Da mesma forma, as participantes do Norte foram as que mais relataram a necessidade de perder um dia de trabalho para possibilitar que o filho se vacinasse.
— As dificuldades na cobertura vacinal são diferentes entre as mães mais ricas e as mais pobres. Oferecer segurança sanitária para as mães que mais precisam é um desafio concreto de toda política pública que queira buscar igualdade — disse Meirelles.
Das entrevistadas, 88% dizem acreditar que o ambiente escolar poderia facilitar o acesso à vacinação infantil. Do total, 91% afirmaram que provavelmente autorizariam os filhos a receber as doses na escola, sendo que, entre elas, 73% disseram que a decisão independeria do tipo de vacina ministrada.
Ações para auxiliar no crescimento da cobertura vacinal
- Diversificação de canais e aumento da divulgação de informações sobre o calendário vacinal e esquema de doses;
- Fortalecimento na comunicação sobre quais são as vacinas necessárias na infância, para que servem e por que são confiáveis;
- Ampliação da faixa de horário de atendimento nos locais de aplicação de vacinas, realizando aplicação fora do horário comercial e/ou fins de semana;
- Melhoria de acesso a UBS, postos de saúde e clínicas de vacinação, facilitando as formas de chegar aos locais;
- Digitalização da carteira vacinal e envio de alertas virtuais para necessidades de novas doses;
- Aumento de profissionais para aplicação das vacinas;
- Maior oferta de espaços para aplicação de vacinas;
- Ter a escola como aliada, tanto para a aplicação do imunizante quanto para disseminar informações sobre o tema e alertar os responsáveis sobre o calendário vacinal.
Meirelles destacou que este retorno dado pelas entrevistadas revela uma possível saída para reverter a queda de cobertura vacinal, criando novas políticas públicas que vinculem a educação e a saúde como forma de eliminar as barreiras indicadas pelas mães.
— Vimos que há conveniência trazida pelas escolas estarem mais próximas de suas residências. Há também aumento da informação, na medida em que a escola é vista como ponto de encontro de informações e o lugar que os familiares consideram mais seguro fora da própria casa. Existe ainda economia no transporte e de tempo — explica.
Kfouri também defende a estratégia de integrar profissionais de educação e saúde como "fundamental", mas chama a atenção para o desafio da cobertura vacinal do primeiro ano de vida, quando a maioria das crianças ainda não está na escola.
Segundo ele, a medida pode ser aliada na recuperação de crianças que atrasaram a imunização que deve ser feita antes dos 2 anos e também na vacinação na adolescência.
— Não é uma política que deve ser única no avanço da cobertura vacinal. Para o calendário básico de rotina, ainda não é a estratégia ideal para mudar os números, porque crianças a partir de seis meses na escola são uma minoria — afirma.