No ano passado, o aumento de casos de meningite em São Paulo, com mortes causadas pela mais frequente no país entre as ocorrências bacterianas, a meningite meningocócica C, causou preocupação. O alerta relembrou a pais e responsáveis a importância da vacinação, principal forma de controle da doença.
Segundo especialistas, a meningite é uma doença endêmica, que nunca deixou de existir, sendo natural que infecções prossigam — portanto, não é necessário se assustar. Mas ser negligente com a imunização periódica de crianças e adolescentes pode levar a cenários de risco.
— Essa doença sempre aconteceu. Nos últimos anos, diminuiu muito o número de casos por causa da vacinação, mas ela continua acontecendo e as vacinas disponíveis na rede pública de saúde têm eficácia altíssima. Quem não está vacinando seus filhos, está colocando as crianças em risco para uma doença que pode ser letal ou causar sequelas — alerta o médico pediatra Juarez Cunha, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
No Rio Grande do Sul, o último surto de meningite foi em 2015. A situação atual é controlada e não difere de anos anteriores, garante a Secretaria Estadual da Saúde (SES), embora os índices de vacinação para todas as formas da doença estejam se afastando da meta. Em 2022, o percentual de cobertura da meningocócica C no Estado ficou em 81,10%, abaixo dos 95% preconizados pelo Ministério da Saúde.
Durante os anos mais duros da pandemia de covid-19, os casos de meningite meningocócica sofreram queda brusca em relação a anos anteriores, passando dos 69 em 2019 para 16 em 2020 e para 19 no ano de 2021. Segundo a enfermeira Leticia Martins, técnica do Núcleo de Doenças Respiratórias do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs/RS), esse arrefecimento pode ser resultante de dois fatores. Como ambas as doenças se dão por transmissão pelas vias respiratórias, as medidas de contenção do coronavírus, como uso de máscaras e limpeza frequente das mãos, possivelmente contribuíram para a diminuição da meningite. Outro elemento que impactou foi a subnotificação das doenças em geral, já que a covid-19 foi o grande dilema de saúde pública no mundo inteiro.
Leticia cita que, em 2020 e 2021, anos mais intensos da pandemia, houve decréscimo importante com relação a números absolutos de casos:
—Entendemos que isso aconteceu porque as pessoas ficaram tão absortas pela covid-19 que outras doenças ficaram esquecidas. Além do mais, as recomendações para controle do coronavírus impactaram qualquer agente de infecção respiratória. Mesmo que a meningite não seja um vírus que fica no ar, sua transmissão se dá por gotículas também. Então as medidas de controle desencadeadas durante a pandemia também impactaram nessa doença.
O que é a meningite?
A meningite se configura por uma inflamação das meninges, membranas que recobrem o cérebro. Como qualquer doença infecciosa, pode ser causada por diferentes microrganismos, como vírus, bactérias e fungos. Enquanto as virais são predominantes e tendem a apresentar quadros mais leves, as bacterianas geram maior preocupação, pois causam sequelas e até mortes.
De acordo com Cunha, as principais meningites bacterianas são provocadas por meningococo, pneumococo, por haemophilus influenzae tipo B e por tuberculose. Há 12 tipos de meningococo, sendo que os maiores causadores de doenças no mundo são os sugbrupos A, C, W, Y e B.
De acordo com o Ministério da Saúde, a ocorrência de meningites bacterianas é mais comum no outono e inverno, enquanto as virais ocorrem mais na primavera e no verão. Segundo o médico pediatra João Ronaldo Krauzer, chefe do Serviço de Pediatria do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, todas as meningites se transmitem por via respiratória e, para diferenciar as do tipo bacteriana, é necessário análise em laboratório.
— A meningite é uma doença contagiosa. Assim como quadros virais respiratórios, as meningites virais e bacterianas também são disseminadas em ambientes de aglomerações — pontua Krauzer.
Quem é mais suscetível?
Sejam bacterianas ou virais, as meningites acometem mais as crianças, especialmente os bebês com menos de um ano, embora a idade pré-escolar também seja vulnerável. Por isso a vacinação contra os diferentes tipos de meningite é feita nas idades iniciais — para as virais, não há imunização. Contudo, adolescentes também precisam ser imunizados, porque são considerados portadores assintomáticos - podem até não desenvolver a doença, mas são agentes de transmissão.
— O adolescente também faz vacina contra a meningite porque é um portador são da bactéria, ou seja, ele pode não ter a doença, mas ter a bactéria na nasofaringe, e assim transmitir para outras pessoas — explica Cunha.
Pessoas de demais faixas etárias também podem ser portadores sadios, levando a bactéria no nariz, mas sem desenvolver a doença.
— (Pessoas de) qualquer idade podem ser portadores do meningococo, mas a epidemiologia nos mostra que o risco maior para doença é a criança — frisa o médico.
Não há vacinação periódica de adultos e idosos na rede pública de saúde. No entanto, quem deseja se proteger pode imunizar-se em clínicas particulares.
Sintomas
As meningites virais apresentam sintomas semelhantes aos de gripe e resfriado, com febre e dor de cabeça. Já os sintomas das meningites bacterianas são febre alta, mal-estar, vômito, rigidez de nuca (dificuldade para dobrar o pescoço), apatia e sonolência. A meningite meningocócica também vai causar manchas avermelhadas, indício de que a infecção está se espalhando rapidamente.
Segundo Krauzer, bebês com meningites bacterianas podem apresentar moleira inchada.
— Por que a bacteriana provoca vômito e dor de cabeça? Porque aumenta a pressão dentro do cérebro e a moleira do bebê distende, fica inchada — explica o médico.
É importante ficar alerta para quadros febris em bebês e crianças pequenas, já que são pacientes com menor capacidade para expressar indisposição.
— Quanto menor a criança, os sintomas ficam menos característicos, porque elas não vão se queixar. Em crianças maiores, o diagnóstico é mais fácil, porque vão conseguir se queixar. E quanto mais cedo se faz o diagnóstico, mais chance de um bom prognóstico, de revertermos o quadro — diz Cunha.
Todas as meningites bacterianas podem causar sequelas e alterações no desenvolvimento psicomotor. No entanto, a meningite meningocócica é mais grave por ser sistêmica - ou seja, se espalha pelo organismo. Progride de forma rápida, em até 24 horas, começando com quadro febril, sonolência e prostração, e podendo evoluir para um desfecho trágico, com choque, que é a ausência de circulação de sangue, e até morte.
— As meningites por meningococo podem causar sequelas como amputação de membros, retardo psicomotor, surdez e possibilidade de morte em 20%. O meningococo tem apresentação fulminante, com progressão muito rápida e alteração de coagulação intensa, impedindo o sangue de chegar às extremidades e levando às necroses — acrescenta Cunha.
Imunização é imprescindível
A principal medida de controle das meningites é a vacinação. Cinco imunizantes estão disponíveis na rede pública de saúde: a BCG, que protege contra a meningite tuberculosa; a pentavalente, que protege contra o Haemophilus influenzae B; a meningocócica C, que protege contra o meningococo C; e a pneumocócica 10-valente, que confere proteção contra 10 sorotipos do pneumococo. Mais recentemente, em 2020, o Ministério da Saúde incluiu a vacina ACWY para adolescentes entre 11 e 12 anos, que protege contra os sorogrupos ACWY do meningococo - até junho de 2023, jovens de 13 e 14 também poderão buscá-la.
Não há imunização disponível na rede pública contra a meningocócica B. De acordo com Krauzer, essa meningite ocorre de forma frequente e tem sintomas semelhantes à meningocócica C. Na rede privada, a vacina é oferecida em três doses: aos três e cinco meses, e após um ano de idade. Cada aplicação custa, em média, R$ 600. Em clínicas particulares, também se aplica a vacina ACWY no lugar de meningocócica C, já que protege contra mais variantes do meningococo.
Segundo Cunha, vacinas conjugadas, como a meningocócica C, meningocócica ACWY, Haemophilus e pneumocócica-10 tanto conferem proteção quanto evitam a transmissão da bactéria. A vacina meningocócica B protege, mas não evita a transmissão da bactéria.
Krauzer apela para que pais e demais responsáveis por crianças e adolescentes confiem na ciência e mantenham a caderneta dos pequenos em conformidade com o Calendário Nacional de Vacinação.
— Tivemos um fenômeno em que houve descrédito vacinal, começando pelas vacinas contra a covid-19 e afetando outros imunizantes que já estavam amplamente difundidos. Isso vai fazer com que doenças adormecidas voltem a preocupar. É importante que os pais acreditem nos médicos e acreditem nas vacinas. Só assim teremos uma cobertura ampla e minimizaremos o número de crianças adoecidas — defende.
Esquema vacinal contra as meningites disponível no SUS
- Ao nascer: vacina BCG (protege contra formas graves de tuberculose, incluindo meningite tuberculosa) - dose única
- Dois meses, quatro meses e seis meses: vacina pentavalente (protege contra meningite por haemophilus influenzae do tipo B)
- Dois meses, quatro meses e reforço aos 12 meses: vacina pneumocócica 10-valente (protege contra meningite causada por 10 sorotipos do pneumococo)
- Três meses, cinco meses e reforço aos 12 meses: vacina meningocócica C (protege contra o meningo C)