Com 3,04 médicos por mil habitantes, o Rio Grande do Sul está em quinto lugar no ranking brasileiro do levantamento Demografia Médica no Brasil 2023, lançamento recente que resultou da colaboração entre a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e a Associação Médica Brasileira (AMB). As primeiras quatro posições são ocupadas por Distrito Federal (5,53), Rio de Janeiro (3,77), São Paulo (3,5) e Santa Catarina (3,05). A média nacional, com corte temporal feito em junho do ano passado, é de 2,41.
A variação regional é grande. Na ponta de baixo da lista, estão representantes do Norte, sobretudo, e do Nordeste: Pará (1,18), Maranhão (1,22), Amazonas (1,36), Acre (1,41) e Roraima (1,64). Na comparação com outras nações, o Brasil está em patamar equivalente a Japão e Estados Unidos. Mas esta é apenas uma primeira leitura, frisa César Eduardo Fernandes, presidente da AMB:
— Temos uma questão que os números não trazem: a demografia não mede qualidade de atendimento, o que pode ser aferido por outros indicadores, como mortalidade materna, mortalidade infantil no primeiro ano, causas mortis mais comuns. Em 2023, o Brasil está com 2,6 médicos por mil habitantes, mas são 2,6 mal distribuídos.
O país somava, no momento do fechamento do conteúdo para a publicação, 514.215 médicos. A projeção é de que o número dobre em 2035, quando haverá mais de 1 milhão de profissionais no território nacional. O principal motivo a impulsionar o crescimento desse contingente é a abertura de novos cursos de graduação e a expansão do número de vagas para ingresso na carreira.
Mais ampla e detalhada edição da Demografia Médica até o momento, esta sexta edição é a primeira com que a AMB contribui. São utilizados diversos bancos de dados, além da realização de entrevistas estruturadas junto a médicos, para que se possa abordar questões mais específicas. O objetivo, segundo César Eduardo Fernandes, presidente da AMB, é trazer à tona a realidade da categoria no país, oferecendo subsídios a gestores públicos e privados de saúde.
— Existem áreas com superpopulação médica e inúmeros vazios assistenciais. É importante que se reflita a respeito e se reconheça a realidade. Tem se demonizado muito os médicos. São tratados como muito elitizados, pessoas que não se sensibilizam para atender a população desassistida... Como se fossem culpa deles as regiões inóspitas. O médico é um cidadão comum, não é um sacerdote — comenta Fernandes, ginecologista e obstetra de formação, graduado em 1975.
Para o presidente da AMB, o fator determinante para distribuição tão desigual é a falta de estrutura para trabalhar.
— A assistência médica não se faz só com médicos. Precisa ter estrutura física: local apropriado, condições de fazer pequenas cirurgias, leitos para pacientes internados em observação, equipe. Senão é aquela “empurroterapia”. Mando o paciente para outro lugar porque não tenho condições de fazer nada. É um equívoco pensar que o médico vai para esse lugar (sem estrutura) conseguir resolver um problema — comenta Fernandes.
O elemento que determinará fortemente o cenário ao longo da próxima década, que verá o número de profissionais dobrar no Brasil, é o tipo de profissional que está sendo formado nos cursos mais recentes.
— Houve aumento de 70% de escolas médicas em 10 anos. Estamos muito em dúvida a respeito do médico que se forma hoje, neste novo cenário. Estou convencido de que teremos que fazer um exame à semelhança do que faz a OAB para testar a proficiência. Mas isso não é por vontade nossa, é por dispositivo legal — diz Fernandes. — Estamos formando aproximadamente 40 mil médicos por ano. A pergunta é: esses médicos estão qualificados? — acrescenta.
Apesar de o assunto estar centrado no profissional, o foco, conforme destaca Fernandes, é outro:
— O foco é o paciente. Temos que oferecer segurança ao paciente. Não adianta mandar médico de má formação para esses brancos assistenciais. Ele vai continuar não resolvendo. Tampouco trazer médico de fora sem que tenha as competências comprovadas. Competência não pode ser presumida.
Elementos fundamentais a serem considerados para que se possa promover uma melhor distribuição de profissionais pelo território, de acordo com a AMB, são unidades de saúde bem equipadas e plano de carreira de Estado para especialidades como medicina de família e comunidade, ginecologia e obstetrícia, clínica geral e pediatria.
— Precisamos de um número enorme de médicos de família. O governo precisa incentivar isso. Se fosse commodity, custaria caríssimo. Nos faltam 80% dos médicos de saúde da família. Nos programas de residência, sobram vagas. Sem dúvida, é a especialidade com maior carência — atesta Fernandes.
O presidente propõe uma iniciativa que poderia amenizar a carência de atendimento em bolsões sem assistência:
— Há locais em que você não vai conseguir fixar o médico. Temos que pensar em equipes itinerantes, que ficam duas, três semanas, com toda a estrutura necessária. A equipe atende, faz atenção básica de saúde, começa a tratar doenças crônicas, elabora um prontuário muito bom e promove interconexão com telemedicina.
Aumento do número de médicos no Brasil
- De 2010 a 2023, mais de 250 mil novos médicos entraram no mercado de trabalho
- Em janeiro deste ano, havia 562.229 profissionais inscritos nos 27 conselhos regionais de medicina (CRMs), o que corresponde a uma taxa nacional de 2,6 médicos por mil habitantes (a diferença entre o quantitativo de indivíduos médicos e o de registros se refere aos profissionais com inscrições em mais de um CRM)
- Duas regiões têm número de médicos em relação à população inferior à média nacional. No Norte, há 1,45 médico por mil habitantes e, no Nordeste, 1,93
- As regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul apresentam razões de 3,39, 3,10 e 2,95 médicos por mil habitantes, respectivamente