Vacinas contra alguns tipos de câncer podem estar disponíveis até o fim da década, de acordo com o casal de cientistas responsável pela criação de um dos mais eficazes imunizantes contra a covid-19 desenvolvido durante a pandemia.
Ugur Sahin e Ozlem Tureci são cofundadores da BioNTech, o laboratório alemão que, em parceria com a Pfizer, criou uma revolucionária vacina contra a covid-19 com base no RNA mensageiro. A mesma tecnologia inovadora vem sendo pesquisada para a criação de imunizantes contra alguns tipos de câncer.
Em entrevista a Laura Kuenssberg, da BBC, no domingo (16), a professora Ozlem Tureci contou como a tecnologia do RNA mensageiro usada na vacina contra a covid-19 pode ser redirecionada para induzir o sistema imunológico a atacar células cancerosas (em vez de coronavírus invasores). Quando perguntado quando uma vacina contra o câncer poderia chegar ao mercado, Ugur Sahin afirmou: "Antes de 2030".
Cânceres de intestino e malanomas são os alvos
A empresa alemã trabalha no desenvolvimento de vacinas contra o câncer de intestino e melanomas, entre outros. Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido, repleto de desafios, afirmaram. As células cancerígenas que formam os tumores são compostas por uma grande variedade de proteínas, o que torna muito difícil a criação de um imunizante cujos alvos sejam somente as células alteradas e não o tecido saudável.
Tradicionalmente, vacinas são feitas com o próprio patógeno que visam a combater, em formas enfraquecidas ou inativadas. Dessa forma, o sistema imunológico é treinado a reconhecer o invasor e combater a infecção quando ela realmente acontece. Essa tecnologia é usada com sucesso há décadas no combate ao sarampo e à pólio, entre tantas outras doenças.
A nova tecnologia, concluída durante a pandemia de covid-19, consiste em usar microfragmentos de material genético (no caso, o RNAm) sintetizados em laboratório. Na natureza, o RNAm traduz as instruções inscritas no DNA e as leva até os produtores de proteína dentro das células.
As novas vacinas usam o RNAm sintético para levar instruções sobre como produzir a proteína spike do coronavírus. Quando a proteína é produzida pelas células com base nas instruções enviadas, ela "treina" o sistema imunológico a reconhecê-la e combatê-la. Ou seja, em vez de levar fragmentos do próprio patógeno para dentro do organismo, as novas vacinas levam as instruções para a sua produção.
Eficácia de 95%
A eficácia desses novos imunizantes contra a covid-19 se revelou superior a 95% mesmo em grupos mais vulneráveis, como o dos idosos. Além disso, por se tratar de um material sintetizado em laboratório, sua produção é bem mais simples do que a das vacinas tradicionais. Por tudo isso, a nova tecnologia marcou, na opinião de especialistas, uma nova era na fabricação de imunizantes, abrindo caminho para terapias inéditas contra o câncer e problemas cardíacos.
A mesma tecnologia pode ser usada para estimular o sistema imunológico a reconhecer e destruir células cancerígenas, como explicaram os pesquisadores. Em vez de levar instruções para a produção de um fragmento do vírus, o imunizante contém instruções genéticas para a criação de antígenos do câncer — proteínas presentes na superfície das células tumorais. O grande desafio é a enorme variedade de proteínas.
A BioNTech já estava trabalhando no desenvolvimento de vacinas contra o câncer com base em RNA mensageiro antes da pandemia, mas acabou priorizando os imunizantes contra a covid-19 diante da emergência global. As pesquisas continuaram e, atualmente, a empresa tem várias vacinas contra o câncer em teste clínico.
Segundo os especialistas contaram na entrevista à BBC, o desenvolvimento das vacinas contra a Covid, (tanto a da Pfizer/BioNTech quanto a da Moderna) contribuíram muito para o trabalho que já vinha sendo feito contra o câncer. O trabalho ajudou os cientistas a produzir vacinas em larga escala e a compreender melhor como o sistema imunológico responde ao RNAm.
— Isso, definitivamente, vai acelerar nosso trabalho com a vacina contra o câncer — disse Ozlem Tureci.
Ainda assim, a pesquisadora se mantém cautelosa.
— Como cientistas, hesitamos sempre em dizer que temos a cura do câncer. Temos uma série de descobertas importantes e vamos continuar trabalhando nelas — afirmou.