Facilitar e qualificar o acesso da população LGBT+ a serviços de saúde é um desafio para os sistemas público e privado no Brasil. Pela passagem do Dia Mundial da Contracepção, na segunda-feira (26), a farmacêutica Bayer realizou evento alusivo a métodos contraceptivos que podem ajudar a diminuir a incidência de gestações não planejadas na adolescência, com um olhar especial para a parcela trans, ainda não devidamente acolhida pela rede de assistência.
Um ponto fundamental sobre o qual falta maior entendimento é o da necessidade da manutenção de alguma forma de contracepção para homens trans — indivíduos designados com o sexo feminino ao nascer, mas com o qual não se identificam — que começam a fazer terapia hormonal com testosterona com o objetivo de mudar algumas características do corpo. Em cerca de seis meses, a menstruação tende a cessar, o que não significa não poder engravidar — e aí está o risco de uma gravidez não desejada.
Médico ginecologista e obstetra do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Edson Ferreira destaca que o planejamento reprodutivo dos homens trans esbarra em pudor, temor e preconceito por parte de profissionais de saúde que não conseguem dar a devida atenção a esse paciente. Em geral, falta capacitação.
Centros especializados conseguem oferecer os serviços adequados que deveriam estar ao alcance de todos. Muitas vezes, salienta Ferreira, transexuais, homossexuais, bissexuais ou pansexuais precisam do mesmo que pessoas heterossexuais ou cisgênero (que se identificam com o sexo de nascença), mas a qualidade do atendimento esbarra no preconceito e na inaptidão.
— É comum que profissionais de saúde não perguntem sobre identidade de gênero e práticas sexuais. Deveria ser tão natural quanto perguntar a profissão, a religião. As consultas médicas são o ambiente em que a pessoa tem a segurança do sigilo e, pelo menos em teoria, a postura de neutralidade. É onde se deveria ter essa conversa. Sexualidade continua sendo um grande tabu — comenta o ginecologista e obstetra.
Quanto à supressão menstrual — que costuma ser total, na grande maioria das vezes —, condição importante para a qualidade de vida e o bem-estar do homem trans, o médico comenta que é comum a ideia de que esses indivíduos percam a capacidade de engravidar a partir da interrupção do sangramento periódico e não mantenham nenhuma prática de controle, como pílula ou DIU.
— É relativamente comum que as pessoas não recebam orientação e concluam: “Já que não estou menstruando mais, não preciso de outros métodos contraceptivos”. Se tem útero, tem possibilidade de engravidar. O organismo continua funcionando, pode ocorrer gestação — alerta Ferreira.
O desejo de engravidar, por outro lado, não altera a identidade de gênero, ressalta o médico, que reconhece a dificuldade de um debate desse nível em uma sociedade que ainda precisa tolerar e avançar em pontos mais básicos.
— Querer engravidar não muda a identidade de gênero de ninguém, não muda como se relaciona com outras pessoas. O homem trans não deixa de ser um homem porque quis gestar. Existe a ideia de que gravidez é algo feminino. A possibilidade de gestação para um homem trans é real e ele continua se identificando como homem.
O homem transexual deve manter a rotina de visitas anuais ao ginecologista — a menos que surjam outras questões que exijam aumento da frequência de consultas —, ainda que experiências prévias tenham sido negativas. Adiar consultas e tratamentos pode comprometer a saúde. São fundamentais a realização de Papanicolau (exame preventivo de câncer de colo do útero) e avaliação das mamas, mesmo para quem efetua a mastectomia (retirada das mamas).
Ferreira chama a atenção para o caráter multidisciplinar do atendimento a pacientes transexuais. Em geral, mais de um profissional deve acompanhar a saúde desse indivíduo.
— Existem muitas peculiaridades. O mínimo a ser ofertado é essa possibilidade de uma consulta anual — diz o médico da USP.