Mudar o nome da doença para evitar que macacos sejam vítimas de maus-tratos. É o que autoridades da área da saúde e entidades de proteção animal discutem neste momento em relação à forma de tratar a varíola dos macacos (monkeypox).
Não há uma definição até o momento, mas o candidato mais forte é "nova varíola", conforme especialistas consultados por GZH. A discussão ganhou força a partir de relatos de maus-tratos a animais no Brasil nos últimos dias. Pelo menos 10 macacos foram resgatados com sinais de intoxicação ou agressão em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Sete deles morreram, de acordo com G1.
A Polícia Militar Ambiental disse acreditar que os episódios tenham sido motivados pelo medo de transmissão da doença. O fato fez a Organização Mundial da Saúde (OMS) se posicionar e reforçar que os animais não têm relação com o surto. Além disso, a organização disse à imprensa que estuda mudar o nome.
Em 2015, a OMS pediu a cientistas, autoridades nacionais e a mídia "melhores práticas" na nomeação de novas doenças infecciosas humanas para minimizar efeitos negativos nas nações, economias e pessoas.
À época, a organização justificou o pedido devido ao uso de nomes como "gripe suína" e "Síndrome Respiratória do Oriente Médio", que, conforme o comunicado, tiveram "impactos negativos não intencionais ao estigmatizar certas comunidades ou setores econômicos”. No entanto, essa posição é posterior à adoção do uso de varíola dos macacos para se referir à doença, que foi nomeada na década de 1950.
Neste ano, o Ministério da Saúde (MS) e a Secretaria Estadual da Saúde (SES) do Rio Grande do Sul chegaram a adotar o nome monkeypox, que traduzido do inglês significa varíola do macaco, para tratar da doença, em uma tentativa de não relacionar o animal ao surto. A secretaria disse seguir o que é definido pela OMS e, assim, manterá o uso de monkeypox até nova definição da entidade global. A reportagem entrou em contato com o MS, mas não recebeu, até o momento, resposta sobre uma eventual mudança.
Troca de nome é urgente
Moira Ansolch da Silva Oliveira, médica veterinária e integrante do Grupo de Trabalho em Saúde da Sociedade Brasileira de Primatologia (SBPr), defende que é importante a troca do nome o quanto antes. Ela diz que isso poderia evitar casos de maus-tratos a animais, em situação similar às verificadas, por exemplo, quando de surtos de febre amarela. Ela cita casos no Brasil em que primatas foram vítimas de violência ao serem associados à contaminação da doença.
— Se já acontece isso com a febre amarela, imagine com uma doença chamada varíola dos macacos. Compreendemos que o nome do vírus é monkeypox, mas, para a pessoa leiga, ele liga o animal à causa da doença. É uma questão de nomenclatura científica, de uso na ciência, e não é para o uso do cidadão que precisa se informar — argumenta.
Moira acrescenta que o fato de que os macacos nada tem a ver com o surto de varíola em todo mundo ainda é pouco divulgado. Esse cenário, somado ao nome, causa confusão em quem está distante do debate científico ou não tem tempo para se aprofundar no tema. Por isso, ela diz que os colegas da SBPr entendem que é preciso encontrar uma nomenclatura neutra, como, por exemplo, "nova varíola".
Não tem como desvincular o macaco enquanto a doença está sendo chamada de varíola dos macacos.
MOIRA ANSOLCH DA SILVA OLIVEIRA
Médica veterinária e integrante do Grupo de Trabalho em Saúde da Sociedade Brasileira de Primatologia (SBPr)
— Temos esse defeito de esperar que as pessoas entendam informações complexas. Estamos saindo de uma pandemia, e as pessoas estão cansadas desse assunto. Então, qualquer informação que chega, elas não param para pensar sobre. Não tem como desvincular o macaco enquanto a doença está sendo chamada de varíola dos macacos — completa.
Além da troca do nome, a especialista entende que é necessário um projeto que vá além da discussão do momento, com foco na educação ambiental inserida na vida das pessoas, principalmente na das crianças.
— A gente só protege e cria empatia pelo que conhece, seja animal ou pessoa. Temos questões de políticas públicas. Mas não adianta dizer que tem de proteger (animais) e não ter como socorrer, resgatar ou ter lugares para colocar animais que sejam afetados pelas nossas ações —completa.
Sem relação
No momento, o animal considerado reservatório do vírus é desconhecido, mas os principais candidatos são pequenos roedores (como os esquilos) das florestas tropicais da África, de acordo com o virologista Fernando Spilki, pró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão da Feevale.
Por isso, ele explica que a relação feita entre macacos e a doença é um acaso que remete ao descobrimento da enfermidade. Isso porque o vírus foi detectado pela primeira vez em primatas durante um estudo em um laboratório da Dinamarca, em 1958. Desde então, os especialistas têm notado que o vírus circulava entre roedores no continente africano. Os macacos, assim, são tão vítimas da doença quanto os humanos, acrescenta Spilki:
— Se houvesse algum nível de racionalidade e de conhecimento, a gente não precisaria trocar de nome (da doença). Mas, infelizmente, tudo indica que é preciso, como uma tentativa de as pessoas entenderem que a situação não tem nada a ver com os macacos.
Nesse sentido, os dados mais atualizados da OMS sobre a doença indicam que em 91,5% dos casos a contaminação ocorreu durante relações sexuais. Além disso, outros 6,2% dos contágios foram classificados como transmissão pessoa a pessoa, 2,1% listados como "outros" e 0,2% por contato com material contaminado pelo vírus. Por isso, de acordo com Spilki, as infecções apontam para uma mudança no comportamento da doença, que está distante de qualquer origem em animais no momento.
— Esse surto está sendo causado por um vírus com inúmeras alterações do monkepox original, que é o que passa de roedores para humanos na África. Hoje, esse vírus está nitidamente se adaptando à transmissão entre humanos, e essa é a nossa grande preocupação: que ele se estabeleça de maneira mais perene e global — acrescenta o especialista.
De acordo com a OMS, a principal forma transmissão da varíola ocorre por contato direto pessoa a pessoa e exposição a gotículas e outras secreções respiratórias. Além disso, lesões e feridas na boca também podem ser fontes de contágio, o que inclui a saliva. A infecção pode ocorrer, ainda, no contato com objetos contaminados, como roupas, toalhas, utensílios de uso pessoal e pratos.
Até esta sexta-feira (12), a doença já teve 31 casos em 13 municípios no Estado. Outros 133 casos estão sob investigação. De acordo com a OMS, neste ano, foram registrados 31,6 mil casos em 91 países, com 12 mortes.
Ouça o podcast "Descomplica, Kelly" sobre a varíola dos macacos
O infectologista André Luiz Machado, do Grupo Hospitalar Conceição, participa do episódio.