A varíola dos macacos — ou monkeypox, no termo original em inglês — ainda impõe uma série de dúvidas a pesquisadores e especialistas, mas uma vantagem se destaca na comparação com o microrganismo que paralisou o mundo dois anos atrás. Diferentemente do que ocorreu com o sars-cov-2, causador da covid-19, o vírus da varíola dos macacos não é novo. A investigação, portanto, não está partindo do zero.
Flávio da Fonseca, virologista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, lembra que o vírus da varíola símia foi descoberto há meio século, na África. Houve pequenos surtos naquele continente de forma recorrente, e já ocorreram surtos internacionais em pequena escala — como nos Estados Unidos, em 2003. Outros episódios pontuais nem foram considerados surtos.
— Uma diferença essencial é que já temos vacina. Claro, teremos que estudar um pouco mais porque há mais de 40 anos não se vacina contra a varíola humana e terá que haver um aumento de produção. Já existe antiviral, mas você não vai achá-lo na farmácia. Terá que ocorrer um aumento de produção, e isso não se faz da noite para o dia — comenta Fonseca.
A seguir, o especialista comenta cinco das principais dúvidas a serem esclarecidas sobre a doença.
O grupo de maior risco para a varíola dos macacos continuará sendo o de homens que fazem sexo com homens?
Segundo o virologista Flávio da Fonseca, o atual surto de monkeypox está muito estigmatizado por atingir, majoritariamente, até este momento, homens que fazem sexo com homens (homossexuais e bissexuais). Trata-se de um fator circunstancial, acredita o especialista, apesar de haver divergências nesse ponto. A doença não ficará restrita a um grupo populacional específico — como, na prática, já se pode perceber que não está.
— O HIV também surgiu e se disseminou primeiro em um grupo. A monkeypox surgiu num grupo específico, mas foi circunstancial. É o contato pele com pele que transmite. As análises que têm sido feitas até agora não mostram uma mutação enorme no vírus que justifique essa explosão na população de homens que fazem sexo com homens. É natural que outros grupos populacionais sejam afetados também, se o surto não for controlado. O HIV surgiu como doença de homossexuais e hoje afeta, principalmente, mulheres. Depende das chances que o vírus vai encontrando. Um homem bissexual pode transmitir a varíola para uma mulher, e uma mulher afetada vai transmitir para os filhos — diz Fonseca.
Por que a apresentação dos casos pode variar tanto e está tão diferente agora?
Médicos relatam casos de pacientes infectados com apenas uma lesão visível. Outros doentes apresentam diversas feridas concentradas em uma área do corpo. As lesões podem estar em locais não visíveis (garganta, traqueia, uretra, ânus), mas as condições sanitárias do local onde o surto acontece devem ter um papel fundamental.
— Conhecíamos os padrões de varíola símia a partir dos surtos africanos. Conhecemos as (más) condições de saúde na África. É natural que, agora, a doença se manifeste de forma diferente. O vírus mutado, modificado, pode levar a uma manifestação mais leve da doença, mas isso também pode estar vinculado às condições de saúde nos Estados Unidos, na Europa e mesmo no Brasil. A condição de saúde geral da população influencia, sim, na apresentação da doença — pontua Fonseca.
O virologista cita como exemplo o paciente de Minas Gerais que acabou se tornando a primeira vítima fatal da varíola dos macacos no Brasil. Com a saúde debilitada por um câncer e comorbidades, o homem de 41 anos teve um quadro grave de monkeypox, que o cobriu de lesões por toda parte.
A varíola dos macacos é transmitida por fluidos sexuais?
O vírus já foi detectado no sêmen, mas este achado, por si só, não comprova que a doença é transmitida por esse fluido. Se o paciente tiver uma lesão na uretra, o vírus estará no sêmen por conta disso. O HIV, por outro lado, é capaz de infectar células germinativas dos testículos.
Ainda é incerto se a monkeypox acabará sendo classificada como doença sexualmente transmissível (DST) — trata-se de um tópico muito discutido entre especialistas. Como o ato sexual pressupõe contato corporal, bastaria esse toque para um indivíduo com lesões na pele infectar o parceiro.
— A priori, é uma doença sexualmente transmissível? É, mas por causa das situações que o ato sexual permite. Não se sabe se o vírus está presente no sêmen. Na minha opinião, não é uma DST. A transmissão pelo sexo é circunstancial — resume Fonseca.
A vacina contra a varíola que muitas pessoas tomaram na infância funciona para a varíola dos macacos?
O mundo aplicou imunizantes contra a varíola humana na população até o final da década de 1970. Em 1980, a doença, devastadora ao longo de séculos, foi considerada, enfim, erradicada. Ainda se estuda se pessoas que tomaram a vacina na infância, há pelo menos quatro décadas, estariam protegidas até agora contra a monkeypox.
— Sabemos que resposta é duradoura, as pessoas apresentam resposta residual. Mas ela é capaz de conter a infecção? Não sabemos. Pode ser que sim. Meu palpite é que podemos ter uma imunidade residual que protegeria contra o agravamento da monkeypox — opina Fonseca.
Existem casos assintomáticos?
O paciente pode desenvolver lesões que não identifica, não vê ou não sente. Sabe-se que o vírus da monkeypox precisa gerar lesões no paciente para prosseguir seu caminho — ou seja, com a lesão, uma pessoa infecta a outra, e o vírus segue existindo. Mas ainda há dúvida sobre a existência ou não de quadros de infecção assintomáticos: um paciente com teste positivo que não tem qualquer sintoma.