Doenças infecciosas, no início da manifestação dos sintomas, podem se parecer muito entre si, o que representa um desafio extra aos médicos. Com a pandemia de coronavírus ainda presente e o histórico de traumas provocados à população, é natural que o avanço da varíola dos macacos (ou monkeypox, no termo original em inglês) provoque preocupação.
Como no início da covid-19, ainda é preciso desvendar diversos aspectos da doença que vem se alastrando pelo mundo. O quadro atual difere da apresentação que a varíola dos macacos tinha quando foi identificada pela primeira vez, na África, na década de 1970. Ainda que não se compare à covid em termos de agravamento e letalidade, a monkeypox pode ganhar força na transmissibilidade caso não se difundam rapidamente informações corretas sobre cuidados para evitar um alastramento descontrolado.
A reportagem de GZH consultou dois especialistas para estabelecer diferenças entre as duas enfermidades em relação às principais características, como prevenção, transmissão, sintomas e tratamento. Leia, a seguir, as considerações de Dimas Kliemann, infectologista do Hospital Nossa Senhora da Conceição e membro da diretoria da Sociedade Gaúcha de Infectologia, e Paulo Gewehr, supervisor médico e infectologista do Hospital Moinhos de Vento.
Transmissão
Covid-19: por via aérea (gotículas e aerossóis).
Varíola dos macacos: principalmente por contato prolongado de pele e mucosas, como, por exemplo, durante relações sexuais. As lesões de pele são capazes de transmitir a doença até que as feridas sequem e a pele se renove. Também é possível a infecção por gotículas – ainda não se sabe, entretanto, quanto tempo de exposição é necessário.
— Quanto maior o tempo na presença de uma pessoa contaminada, maior o risco de contaminação — alerta o infectologista Paulo Gewehr.
Indivíduos infectados não devem compartilhar itens como toalhas e lençóis, entre outros. Estudo recente mostrou que o vírus pode sobreviver em superfícies por pelo menos 30 dias, mas ainda não se sabe se o microrganismo mantém a capacidade de contaminar durante esse período.
Sintomas
Covid-19: sintomas respiratórios, com ou sem febre. O padrão mudou bastante em relação ao início da pandemia, observa Dimas Kliemann, mas muitos pacientes ainda apresentam perda de olfato e paladar.
Varíola dos macacos: ínguas (gânglios aumentados nas axilas, no pescoço, na virilha), lesões de pele e de mucosas. As feridas, que costumam aparecer a partir do terceiro dia desde o início dos sintomas, podem surgir em áreas não visíveis, como na região do ânus, ou causar confusão — uma úlcera na boca, no princípio, se parece com uma afta. O número de lesões varia bastante. Há pacientes com uma única ferida, enquanto outros apresentam várias, concentradas em uma região do corpo ou espalhadas. Se o paciente precisar se deslocar em busca de atendimento médico, deve optar por roupas que cubram as lesões e usar máscara, evitando tocar em superfícies e higienizando as mãos com frequência. Recomenda-se que o doente informe as pessoas com quem interagir sobre sua condição.
Como os quadros sintomáticos das doenças infecciosas são muito semelhantes no começo, diferenciá-los é mais difícil.
— Hoje, como temos mais acesso a informação e as pessoas procuram atendimento mais precocemente, precisamos, às vezes, de um pouquinho mais de tempo para fazer o diagnóstico — comenta o infectologista Dimas Kliemann.
Paulo Gewehr complementa:
— Os quadros virais, muitas vezes, começam de forma inespecífica, com dor de cabeça, febre, dores musculares. Depois podem surgir outros sintomas que vão definir melhor a suspeita do que está acontecendo.
Tratamento
Covid-19: para casos leves e moderados, a medicação é para os sintomas, como febre dores, congestão nasal. O medicamento Paxlovid, ao qual se tem acesso mais facilmente em países como os Estados Unidos, só é administrado em ambiente hospitalar no Brasil.
Varíola dos macacos: também são tratados os sintomas. As lesões podem provocar dores fortíssimas, que não cedem com os analgésicos mais comuns, sendo necessário o uso de drogas mais fortes. Na semana passada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a liberação temporária da vacina contra a varíola e do antiviral Tecovirimat, medicamento que será destinado a pacientes em estado grave.
— Essa medicação não foi desenvolvida para a monkeypox, mas tem ação. Já é um avanço em comparação com a covid — pontua Gewehr.
A vacina, que deverá ter como público principal, no país, uma parcela de profissionais da área da saúde (que lidam diretamente com pacientes e materiais infectados pelo vírus), também serve como profilaxia pós-exposição, ou seja, pode ser aplicada em pessoas que tiveram contato com doentes, freando o curso da enfermidade. Para o amplo uso, entretanto, seria necessário maior quantidade de imunizantes. Até o momento, o Brasil tem prevista a compra de 50 mil doses da vacina conhecida pelos nomes de Jynneos ou Imvanex (cada pessoa precisa de duas doses). Conforme o Ministério da Saúde, há tratativas para aquisição de mais imunizantes.
Tempo de isolamento
Covid-19: 10 dias contados a partir do primeiro dia de sintomas ou da coleta do teste com resultado positivo (no caso de assintomáticos). Com a melhora do quadro, se o paciente não tiver febre, pode sair do isolamento domiciliar a partir do sétimo dia, mantendo o uso de máscara no contato com outras pessoas até o décimo dia.
Varíola dos macacos: o paciente pode transmitir a doença enquanto tiver lesões na pele. É preciso aguardar até que as feridas cicatrizem e descasquem, nascendo pele nova no local. Como a pessoa pode infectar superfícies e objetos, é muito importante que fique restrita a um cômodo da residência se morar com outras pessoas. Sair com as lesões expostas representa um grande risco para a disseminação ainda maior da doença.
Agravamento
Covid-19: a doença continua provocando adoecimento grave em idosos, imunossuprimidos (que têm o sistema de defesas do organismo mais fraco) e não vacinados.
Varíola dos macacos: a gravidade é bem menor se comparada ao que representou e ainda representa a covid-19. Gestantes podem transmitir a doença para os bebês e sofrer aborto. Imunossuprimidos e crianças (em especial, bebês de colo) também são mais suscetíveis.
A letalidade da varíola dos macacos é baixíssima, quando comparada a locais onde o vírus é endêmico e vitima principalmente crianças, mas esse aspecto pode ser um complicador, de acordo com Dimas Kliemann.
— As pessoas podem achar que vale o risco — alerta o médico do Hospital Conceição.
Prevenção
Covid-19: usar máscara em ambientes fechados ou com aglomeração e não ter contato com pessoas que testaram positivo para a doença.
Varíola dos macacos: segundo Paulo Gewehr, não manter contato próximo com indivíduos infectados, usar máscara em ambientes de maior risco (fechados e com pouca ventilação), não compartilhar objetos e higienizar as mãos com frequência, evitando que elas possam levar o vírus até a boca, os olhos ou o nariz. O paciente com varíola dos macacos deve se manter isolado até que as lesões cicatrizem e desapareçam, surgindo pele nova no local. Em geral, o isolamento pode durar até quatro semanas, afirma o infectologista Dimas Kliemann.