O anúncio da morte de um dos filhos gêmeos do jogador Cristiano Ronaldo com a esposa, Georgina Rodríguez, na segunda-feira (18) chamou a atenção para os riscos de uma gestação gemelar. Em comunicado publicado nas redes sociais, o casal não informou detalhes sobre o falecimento do bebê, que era um menino, mas deixou claro que a outra criança, uma menina, está viva.
"É com a mais profunda tristeza que comunicamos o falecimento do nosso bebê. É a maior dor que quaisquer pais podem sentir. Só o nascimento da nossa bebé nos dá forças para viver este momento com alguma esperança e felicidade”, diz um trecho do texto. A rede de TV portuguesa SIC informou que a morte do menino ocorreu durante o parto das crianças.
Apesar de não serem tão incomuns, gestações múltiplas são rodeadas por mitos que colaboram para a disseminação de informações incorretas sobre o tema. De acordo com especialistas, gestações gemelares sempre são consideradas de alto risco, mas alguns fatores determinam a elevação dos principais perigos no decorrer da gravidez e do parto, tanto para as mães quanto para os bebês. Entenda:
Tipos de gravidez gemelar
Há três tipos de gravidez gemelar: monocoriônica-monoamniótica, em que os gêmeos dividem uma placenta e um saco amniótico; monocoriônica-diamniótica, em que os bebês dividem a placenta, mas estão em dois sacos separados; e dicoriônica-diamniótica, em que cada feto tem sua placenta e seu saco amniótico. O mais complicado é o primeiro, em que o óvulo é fecundado por um espermatozoide e, depois, se divide em dois. Já o mais tranquilo é o terceiro, em que os gêmeos são gerados a partir de dois óvulos fecundados por dois espermatozoides, explica Maria Lúcia da Rocha Oppermann, chefe do Centro Obstétrico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— A monocoriônica é de muito mais risco, porque existe uma série de complicações típicas desse tipo, que não é frequente no outro (dicoriônica). Tem muito mais complicações no período do pré-natal e, às vezes, os bebês têm que nascer bem antes do tempo por conta disso — afirma.
Nas gestações dicoriônicas, as complicações são menores. Eventualmente, as crianças crescem um pouco abaixo da média, mas nenhuma delas costuma ter comprometimentos graves, destaca Maria Lúcia. A professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e supervisora do Programa de Residência Médica em Medicina Fetal da Santa Casa de Porto Alegre Patrícia El Beitune concorda que esse tipo de gravidez representa o melhor cenário dentre as gestações múltiplas e comenta que, felizmente, ele corresponde a 75% das gestações gemelares.
— Mesmo considerando um melhor prognóstico na gestação dicoriônica, ainda existe maior risco (em comparação às gestações de apenas um bebê) porque o espaço compartilhado intraútero é limitado. Então, à medida que a gravidez vai evoluindo, o útero vai ficando distendido e isso já faz com que haja um risco maior de parto prematuro — alerta Patrícia, ressaltando que os bebês também podem acabar desenvolvendo uma restrição de crescimento intrauterino, devido ao espaço limitado.
Principais complicações
As gestações monocoriônicas, que são as mais preocupantes e representam cerca de 25% das gestações gemelares, podem evoluir com graves comprometimentos, dentre os quais destaca-se a restrição de crescimento fetal e o parto prematuro (bem mais comuns do que nas gestações dicoriônicas), além de transfusão feto fetal (quando um bebê vira doador do outro) e morte de ambas crianças.
— Em uma placenta só, eles têm uma anastomose de artérias e veias muito grande, então um deles pode começar a doar sangue para o outro e os dois ficam mal. O que está doando fica muito pequeno e o que está recebendo fica pletórico, cheio de sangue, e isso pode ocasionar insuficiência cardíaca e uma série de complicações — aponta Maria Lúcia, que também é membro da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Rio Grande do Sul (Sogirgs).
Nesses casos, quando um dos fetos morre, também é perigoso, porque ele pode transmitir para a circulação sanguínea do irmão substâncias danosas, que podem causar inclusive sequelas neurológicas e óbito. Isso gera, ainda, risco de coagulopatia — um quadro de coagulação intracelular disseminada — para a mãe, salienta Patrícia. Além disso, Maria Lúcia complementa que tanto a diabetes gestacional quanto a pré-eclâmpsia são mais comuns em gestações gemelares e, no pós-parto, mães de gêmeos correm maior risco de ter hemorragia severa, devido à distensão do útero.
Em relação ao risco de morte, a professora da UFCSPA aponta que, em uma gravidez de feto único, sem comorbidades associadas, sete em cada mil nascidos vivos morrem. Então, em uma gestação gemelar, esse risco é aumentado significativamente. No entanto, ela salienta que, atualmente, ocorrem bem menos óbitos do que no passado, devido aos avanços da obstetrícia, da medicina fetal e da neonatologia, e também que, nestes casos, o maior problema está relacionado às complicações — que podem ser identificadas de forma precoce com um pré-natal de qualidade, iniciado antes das 14 semanas de gestação.
— Se conseguimos ter indícios de problemas em um estágio inicial, já podemos encaminhar a paciente para centros especializados para manter esses bebês saudáveis. Mas, se perdemos esse momento, em casos complicados pela transfusão feto-fetal, por exemplo, cerca de 50% a 100% dessas crianças acabam evoluindo com sintomas neurológicos graves e até com morte de uma ou ambas — afirma Patrícia, reforçando que o cuidado deve ser redobrado em gestações gemelares, com consultas a cada duas semanas a partir da segunda metade da gravidez.
Riscos do parto
Segundo as especialistas, é muito difícil uma gestação gemelar chegar até 38 ou 40 semanas, que é o considerado ideal em uma gravidez de feto único. Patrícia acrescenta que alguns estudos inclusive recomendam que os partos dicoriônicos sejam feitos com 37 semanas, porque existe um risco maior de perder os bebês caso espere até o final dessas gestações. Mas, quando há somente uma placenta para os dois fetos, a antecipação do nascimento tem que ser ainda mais precoce, com cerca de 36 semanas para as diamnióticas (dois sacos) e com 32 ou 34 semanas para as monoamniótica (um saco). Nesses casos, também podem haver complicações decorrentes da prematuridade, destaca Maria Lúcia.
Já no momento do parto em si, o risco pode estar relacionado à demora do processo e, geralmente, pode afetar mais o bebê que nasce por último. A decisão entre cesárea ou parto normal, explicam as especialistas, varia de acordo com o tipo de gestação gemelar e com a situação dos fetos. Nos casos de gravidez monocoriônica, costuma-se optar por cesarianas, porque existe a possibilidade de que os cordões umbilicais estejam entrelaçados e essa é uma complicação relevante.
— Depois do nascimento do primeiro, intensificamos mais a monitoração dos sinais vitais do segundo, porque, caso se identifique que ele não vai suportar por mais tempo, convertemos o parto para cesárea — finaliza Patrícia.