O aumento vertiginoso de casos de dengue no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre neste início de 2022 vem preocupando autoridades e levou a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) a iniciar análises sobre os indicadores da doença na capital gaúcha. Assim, era esperado que o Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde apresentasse nesta quinta-feira (14) um parecer quanto à elevação do status da doença na cidade de "surto" para "epidemia" — o que não ocorreu.
Em nota, a SMS informou que não houve avanço na avaliação nesta quinta e que as análises seguirão em andamento na próxima semana. De acordo com o texto, estão sendo levados em consideração aspectos técnicos sobre infestação vetorial, incidência de casos no território e gravidade dos mesmos, além de dados referentes à capacidade assistencial da rede de saúde.
Diferentemente do coronavírus, a dengue não é transmitida entre humanos, mas por meio da picada do mosquito Aedes aegypti. A doença cresce no fim do verão, uma vez que o mosquito gosta de temperaturas moderadas e de chuva. Este ano já registrou mais do que o dobro do número de casos no Rio Grande do Sul no mesmo período de 2021.
De acordo com dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS), 7.982 casos de dengue foram contabilizados em 2022 no Estado até 12 de abril — cinco pessoas já morreram. No mesmo intervalo do ano passado, foram 3,9 mil casos, com três mortes. Atualmente, 435 dos 497 municípios gaúchos já registraram casos de dengue, o maior número desde que o governo estadual começou a monitorar a doença, em 2000.
Sozinha, Porto Alegre concentra 1.069 infecções, conforme nota divulgada pela SMS nesta quinta, o que representa cerca de 13% do total de todo o Rio Grande do Sul. A maior parte dos casos está nas zonas Leste e Centro-Sul da capital gaúcha. Isso inclui os bairros Bom Jesus, Chácara das Pedras, Jardim Carvalho, Jardim do Salso, Jardim Sabará, São José (Morro Santana), Três Figueiras, Vila Jardim, Camaquã, Campo Novo, Cavalhada, Nonoai, Teresópolis e Vila Nova.
O médico Eduardo Sprinz, chefe da Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), afirma que tanto o Rio Grande do Sul quanto a capital gaúcha enfrentam epidemia de dengue. Para ele, as autoridades devem focar em campanhas de conscientização e em visitar domicílios para dedetizar e orientar – já a população deve evitar focos de água parada.
— Temos um número recorde de dengue em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, com diversos focos da doença. Isso é uma epidemia. Estamos em um pico muito importante. O surto é quando há casos isolados em determinado local. Seria surto se houvesse dois ou três casos em um bairro específico. Mas não é o que vemos, casos existem em quase todas as cidades do Estado. Se há diversos surtos, é uma epidemia — diz Sprinz.
Mesma visão adota a bióloga Ana Gorini da Veiga, professora de Biologia Molecular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e pesquisadora de infecções virais:
— Entendo que o Estado está em epidemia porque um número considerável de municípios está com casos de dengue. Surto é quando há aumento repentino no número de casos de uma doença em um local específico, como creche, hospital ou um bairro. É epidemia quando a doença começa a aparecer em vários bairros de uma cidade ou em várias cidades de um Estado — diz Gorini.
Mas o governo do Estado não deve declarar epidemia de dengue no RS e tampouco investir em campanhas de conscientização. Há regiões com pouquíssimos casos, e a temporada de dengue já está no final, com previsão de término em maio, diz Tani Ranieri, chefe da Vigilância em Saúde da SES. Todavia, ela diz que a Região Metropolitana vive epidemia de dengue.
— A região de Pelotas tem um caso confirmado de dengue. Osório, dois casos confirmados. Na região de Bagé, zero casos confirmados de dengue. Qual a diferença entre surto e epidemia? Hoje, para a Região Metropolitana, temos uma epidemia, porque quase a totalidade de bairros de Porto Alegre tem casos confirmados. Isso é uma epidemia para a região. Mas, para o Estado inteiro, precisaríamos de um maior registro em todas as regiões — afirma.
Por que tantos casos de dengue?
O número elevado de casos de dengue em comparação a anos anteriores ocorre por uma mistura de fatores. Tani Ranieri cita que o verão passado já havia registrado recorde de casos de dengue.
Quando há aumento de casos, existe proliferação do mosquito Aedes aegypti, o que exige trabalho de prevenção das autoridades e da população para acabar com focos de água parada para o próximo verão. No entanto, Ranieri reconhece que governos e população focaram a preocupação na covid-19 e deixaram a dengue de lado, o que abriu espaço para o mosquito se reproduzir ao longo de 2021.
— A população não pensava em dengue, até mesmo os gestores, todos os nossos olhares estavam voltados para a pandemia. A dengue passou desapercebida de maneira geral — explica.
O aumento de casos de dengue neste ano, portanto, já era esperado: como o mosquito se proliferou no ano passado, ao longo do período ficou adormecido e, no verão de 2022, já estava em maior quantidade para proliferar e provocar aumento de casos. Tani Ranieri afirma que, como a temporada de dengue deve acabar em maio, o Estado não deve investir em campanhas publicitárias de conscientização para este ano, mas deve fazê-lo para evitar uma disparada maior de dengue no próximo verão:
— Se a população não se cuidar neste ano e não evitar focos de água parada, no próximo verão a dengue pode ser ainda pior — diz a chefe da Vigilância em Saúde.
A médica Rafaela Mafaciolli, infectologista na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e diretora da Sociedade Gaúcha de Infectologia (SGI), cita ainda que, para além do descuido em relação à dengue, a retomada em peso do trabalho presencial pode ter contribuído para o esquecimento de focos de água parada nas residências.
— As pessoas se preocupam tanto com covid que deixaram de prestar atenção em outros cuidados. Antes da covid, a campanha da dengue era muito mais forte, as visitas dos agentes de saúde também. Os agentes de saúde iam mais presencialmente nas casas, mas agora estão ocupados com a covid e a vacinação — diz a médica.
Analistas consideram baixa a probabilidade de aumento dos casos de zika e chikungunya, também transmitidos pelo mosquito da dengue. As chances de o inseto transmitir as três doenças ao mesmo tempo é reduzida. Além disso, zika e chikungunya são pouco presentes no Rio Grande do Sul e mais comuns no Norte e Nordeste do país.
Em Porto Alegre, não há casos registrados de zika e chikungunya neste ano – em 2021, a Capital teve um caso importado de chikungunya. No Estado, são 18 casos da doença neste ano, sendo 16 no município de Água Santa, no Norte.
Quais os sintomas da dengue?
Forte dores no corpo, cansaço e febre. Em casos graves, há risco de hemorragia interna.
Há remédios para a dengue?
Não há medicações específicas para a dengue, apenas para combater os sintomas causados pelo vírus.
Como se prevenir contra a dengue?
A dengue é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti sobretudo neste época do ano, quando há uma combinação de temperaturas ainda elevadas e aumento da chuva. Acabe com focos de água parada, onde o mosquito deixa larvas e se reproduz, como vasos de plantas, pneus, caixas d’água, vidros, toldos, marquises, canos, calhas e piscinas.
Denúncias de locais com água parada podem ser feitas pelos telefones 3289-2471 ou 3289-2472 em horário comercial ou pelo 156, incluindo finais de semana e feriados.
Como é o mosquito da dengue?
O Aedes aegypti tem menos de um centímetro de diâmetro, é escuro, com riscos brancos nas patas, na cabeça e no corpo.
Colaborou: Jhully Costa