Entre as pessoas recuperadas da covid-19, há muitos relatos de problemas de disfunções sexuais. Especialistas afirmam que a queixa parte principalmente das mulheres, mas que geralmente está ligada a outros transtornos gerados pela infecção, como o estresse. Também alertam que há poucos estudos que avaliam se a doença provoca alguma alteração na libido, seja a vontade de fazer sexo ou o próprio desempenho na cama.
Uma das pesquisas mais conhecidas foi realizada no Paquistão entre 2020 e 2021. Cerca de 300 mulheres internadas por causa da covid-19 foram convidadas a participar. Elas responderam a um questionário que perguntava como era seu desempenho sexual antes da doença. Dependendo da resposta, mais pontos faziam. Depois de 60 dias da alta médica, foram convidadas a refazer o teste. O estudo mostrou que houve maior pontuação antes da infecção e da consequente hospitalização do que 60 dias após a alta e concluiu que há um declínio significativo na função sexual das mulheres que contraíram a doença.
Apesar de ter deparado com essa queixa no consultório, o médico Charles Schneider Borges, professor de Medicina da Feevale e especialista em ginecologia e sexologia, faz uma observação a respeito do estudo: não é possível chegar a uma conclusão confiando apenas na memória das entrevistadas.
— Esse estudo pegou mulheres que já estavam com a covid-19 e pediram para avaliarem como era a vida sexual antes da infecção, repetindo o questionário dois meses depois. Se eu te perguntar o que tu comeu na semana passada, tu vai dizer "arroz, feijão e peixe, talvez batata, talvez cenoura". É o que a ciência chama de viés de memória. Não podemos confiar e bater o martelo — avalia.
Atendendo tanto a mulheres quanto a homens no ambulatório de ginecologia endócrina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e da clínica Nasce, em Porto Alegre, Schneider percebeu que os pacientes que haviam se contaminado e reclamavam de perda do desejo sexual recaíam em um famoso problema: o estresse.
— Sabemos que toda situação que causa estresse vai interferir negativamente na função sexual da pessoa. Geralmente, quem teve covid e chega no consultório de um sexologista apresenta outros fatores: uma sobrecarga de trabalho, estresse relacionado a alguém doente na família, preocupação por estar transmitindo a doença, entre outros. A infecção raramente vem sozinha — diz.
Segundo a ginecologista Marta Ribeiro Hentschke, da clínica Fertilitat, também na Capital, é importante entender o que a mulher está querendo dizer quando usa a expressão libido: se tem a ver com a vontade de fazer sexo, ou se ela tem vontade, mas não fica excitada, ou ainda se fica excitada, mas não atinge o orgasmo.
— É importante que as pessoas façam uma consulta para investigar o que está acontecendo: se é a perda de desejo, a perda de excitação ou a perda de orgasmos. Pode não ter nada a ver com covid — frisa.
Também é o estresse que pode afetar o ciclo menstrual da mulher, outro problema apontado por pacientes que foram contaminadas pela covid-19. De acordo com Marta, elas relataram episódios de escape, que são os pequenos sangramentos fora do período previsto, e até mesmo um fluxo intenso.
— Tem um estudo publicado bem recentemente que fala justamente do impacto da covid-19 no ciclo menstrual e na saúde mental das pacientes. Estresse, ansiedade e depressão levaram ao aumento da prevalência da irregularidade menstrual — observa a ginecologista.
Entre os homens, a queixa da perda de libido costuma ser menor. Quando relacionada à covid-19, tinha relação com depressão, problema muito relatado por contaminados. Na avaliação de Schneider, os homens, no geral, têm maior facilidade em obter prazer porque sua resposta sexual é mais linear: inicia pela vontade e segue até alcançar o orgasmo. Já a mulher tem uma resposta sexual mais circular, com um fator dependendo do outro.
— A mulher tem maior complexidade, por isso, apresenta mais disfunções. Além de todas as questões da nossa sociedade: o machismo, achar que xavecar o homem é errado, que é errado procurar por sexo, que tem que ser o homem que procura. Essa repressão ao comportamento da mulher, todo esse peso que é posto nela, inclusive a tripla jornada - casa, família e trabalho - acabam interferindo — considera.