Apesar da volta das aulas no formato presencial, o governo do Estado determinou que o uso de máscara de proteção individual para crianças menores de 12 anos de idade deixou de ser considerado protocolo obrigatório pelo Sistema 3AS de Monitoramento.
O decreto 56.403, publicado em edição extra do Diário Oficial do Rio Grande do Sul, em plena noite deste sábado de Carnaval (26), informa ainda que, para crianças entre seis e 11 anos, a máscara passa a ser protocolo recomendado. A decisão deixou especialistas da área médica inconformados.
– Essa é uma medida sem nenhum sentido e benefício para a saúde pública. Ela vem na contramão dos cuidados que a sociedade toda se estruturou para fazer. Ainda estamos com muitos casos de contaminação acontecendo todos os dias. É o momento de maior número de acometimento de crianças por covid-19. Desde 2020, esse é o instante em que todas as crianças estão em ensino presencial – critica o chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Moinhos de Vento, Alexandre Zavascki.
O infectologista segue adiante em suas impressões sobre a medida do governador Eduardo Leite.
— Retirando-se a máscara, porque esse é o efeito prático para a maioria das pessoas, justamente em uma parcela da população (crianças) que foi atingida por uma campanha antivacinação, em que houve uma adesão muito pequena, coloca-se em risco não apenas a saúde das crianças, como o andamento do ano escolar. Acontecerão mais surtos nas escolas, várias crianças ficarão doentes e haverá o risco de se interromper o ensino de uma classe inteira. Além disso, coloca-se em risco ainda os professores e os funcionários das escolas, alguns idosos ou com comorbidades — avalia Zavascki.
Leite citou a Lei Federal (13.979/20), após a determinação, para explicar a nova regra. Conforme esclareceu, a lei estabelece que é obrigatório manter boca e nariz cobertos por máscara de proteção individual e prevê que a obrigação será dispensada no caso de crianças com menos de três anos de idade. Com base nessa legislação, a Procuradoria-Geral do Estado fez uma interpretação que, se a dispensa é para crianças com menos de três anos, acima dessa idade seria obrigatório o uso da máscara. Leite disse que chegou a solicitar a revisão dessa legislação junto ao governo federal, mas não obteve resposta.
— Solicitei que a Procuradoria fizesse uma revisão de seu parecer e que, com base em avaliação técnica da Secretaria Estadual da Saúde, tivéssemos um decreto para a revisão dessa obrigatoriedade no Rio Grande do Sul. Construímos uma solução jurídica para restabelecer as condições de recomendação para o uso das máscaras das crianças. Esse decreto prevê que, para as crianças entre seis e 11 anos, não haverá a recomendação do uso da máscara. A obrigatoriedade será para aquelas acima dos 12 anos de idade. Portanto, essa é a nova regra que vale para o Estado — afirmou o governador.
É uma medida descabida. Infelizmente, só conseguimos entendê-la em um benefício político que o governador pretenda tirar, agradando uma parcela da população que demanda pela retirada de máscaras. Obviamente, é a mesma parcela da população que nega a pandemia e os benefícios da vacina
ALEXANDRE ZAVASCKI
Chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Moinhos de Vento
A medida levanta uma polêmica importante, pois acontece exatamente quando as escolas retornam às aulas presenciais. No dia 19 de novembro do ano passado, um decreto estadual recomendava uma flexibilização do uso da máscara entre crianças até 12 anos, apesar de a utilização seguir obrigatória. E dizia, ao mesmo tempo, que não ocorreriam “multas ou advertências quando o descumprimento da determinação for por parte de crianças ou adolescentes até 12 anos de idade, ficando vedada a responsabilização de seus pais, curadores, tutores, educadores ou dos estabelecimentos comerciais, de ensino ou templos religiosos”.
— As crianças sempre foram menos afetadas, mas com a variante da Ômicron isso mudou um pouco, até com mais internações do público infantil. Muitos estudos comprovam que as crianças contraem a doença e sofrem riscos muito baixos na comparação com os adultos doentes. A chance de as crianças transmitirem é muito pequena — pondera a médica infectologista da Comissão de Controle de Infecções do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) Caroline Deutschendorf.
Há riscos de aumento de casos, pois temos episódios da Ômicron ainda em alta. E essa faixa etária tem um percentual de vacinados baixo
DARLAN DA ROSA
Coordenador do Controle de Infecção do Hospital Vila Nova
Segundo a médica, o ideal é que aconteça uma “racionalização” por parte dos pais dessa nova determinação do governo estadual.
— Se a criança estiver com algum tipo de sintoma, o recomendado é usar máscara. Nas assintomáticas, mesmo que estejam contaminadas com covid, os riscos de transmissão são muito baixos. Às vezes, sabemos das dificuldades que as crianças possuem de fazer o uso correto das máscaras. Os pais devem saber que, se a criança apresentar algum sintoma, não deve ter contato com outras crianças e também com os adultos. Isso é uma prática importante e, se tiver de ter contato por algum motivo, que use máscara — aconselha a médica.
O parecer técnico que embasa a nova regra de protocolo chama a atenção para o uso recomendado da máscara em crianças entre seis e 11 anos, em função da transmissão generalizada, comunitária ou sustentada da doença. Os cuidados com a manipulação da máscara por parte da criança também são mencionados. Além disso, para crianças que convivem com pessoas que tenham o risco de desenvolvimento de doenças graves, o uso de máscara é aconselhado. Cerca de 40% do público infantil entre cinco e 11 anos já está imunizado contra o novo coronavírus no Estado.
O enfermeiro e coordenador do Controle de Infecção do Hospital Vila Nova, Darlan da Rosa, também abordou a decisão do governador Leite.
— Há riscos de aumento de casos, pois temos episódios da Ômicron ainda em alta. E essa faixa etária tem um percentual de vacinados baixo — alerta.
A regra anterior no Estado seguia a orientação prevista na lei citada pelo governador. Conforme o parecer técnico do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS), que assina o regramento, "ainda que exista legislação federal que preconize o uso obrigatório para pessoas acima de três anos, considerando o longo período em que não há atualização da legislação, considerando que nos últimos 24 meses não se apresentaram evidências robustas que comprovem o benefício da obrigatoriedade do uso de máscaras em algumas faixas etárias, considerando que sem benefício comprovado é obrigação dos profissionais da saúde primar pelo não malefício, considerando que a orientação é garantir o uso adequado de máscara, conclui-se que não há base técnica que suporte a obrigatoriedade de máscaras indiscriminadamente na faixa etária de três anos até 11 anos".