Uma experiência de hipertensão gestacional e quatro anos de atuação na área da neonatologia foram as peças-chave para que as enfermeiras Janaína Avancini Pinheiro e Flávia Sales desenvolvessem um projeto com o objetivo de salvar vidas de gestantes e seus filhos. Unindo tecnologia à saúde, a pulseira de aferição para grávidas hipertensas (PAGH) pode ajudar a diagnosticar com mais rapidez casos de pré-eclâmpsia — uma complicação potencialmente perigosa da gravidez, que tem como principal característica a pressão arterial elevada —, evitando mortes maternas e fetais.
De acordo com as idealizadoras do projeto, a proposta é que gestantes com hipertensão ou fatores de risco para o problema utilizem a pulseira de forma contínua, para que o aparelho possa aferir a pressão arterial várias vezes ao dia. Os dados coletados pelo objeto são enviados para uma nuvem, que é acessada pela equipe de saúde que acompanha essas grávidas no pré-natal. Assim, pacientes que estejam com a pressão alterada podem receber orientações de cuidado, que vão desde recomendação de repouso até indicação para procurar atendimento médico, por meio de um aplicativo.
— A hipertensão na gravidez é silenciosa. Geralmente, quando a gestante chega na unidade de saúde, ela já pode estar com um caso grave, que ocasiona até morte materna e fetal. Então, com esse acompanhamento durante todo o processo, pode ser evitado esses casos mais graves da doença — explica Flávia, 34 anos, que é de Goiás e mora em Goiânia.
Natural de Porto Alegre, Janaína conta que o projeto surgiu no segundo semestre de 2021, durante uma disciplina do Mestrado Profissional em Enfermagem da Unisinos, do qual ela e Flávia são alunas regulares. Na época, as professoras Priscila Lora, Rafaela Scheffer e Patrícia Treviso, que também é coordenadora do Programa de Pós-Graduação (PPG) em Enfermagem, lançaram aos integrantes da turma o desafio de idealizar um produto tecnológico para melhorar o cuidado em saúde.
Ainda no ano passado, a pulseira rendeu à equipe das enfermeiras o primeiro lugar na 10ª edição do Prêmio Padre Francisco Xavier Roser SJ de Empreendedorismo e Inovação, que busca incentivar a criação de soluções empreendedoras por meio de projetos de pesquisa. A competição, de nível nacional, é promovida pela Unisinos, por meio da Unidade de Inovação e Tecnologia (Unitec) e do Parque Tecnológico de São Leopoldo (Tecnosinos), e executada pela aceleradora Ventiur. Com a vitória, o grupo garantiu uma vaga para o processo de pré-aceleração Ventiur e seis meses de incubação no Tecnosinos.
— É extremamente gratificante saber que uma ideação que tivemos dentro de uma disciplina poderá ser capaz de transformar a vida das gestantes no Brasil e, talvez, em todos os países em desenvolvimento — comemora a gaúcha, 41 anos.
Além de Janaína e Flávia, fazem parte do grupo do projeto a professora Priscila Lora, a engenheira elétrica Vitória Francesca Zilli e o acadêmico Marcelo Bueno, que atua na área de administração e inteligência de mercado. Segundo a Unisinos, foi a primeira vez que uma equipe da Enfermagem participou do prêmio, o que, para Janaína, representa uma quebra de vários paradigmas:
— Para nós, isso é muito importante, pois passamos por alguns entraves. Primeiro, porque somos mulheres, e ainda há preconceito em relação às mulheres na tecnologia. E também porque somos enfermeiras, e existe uma ideia de que enfermeiros trabalham apenas no cuidado ao paciente, mas vai além disso e estamos aqui para provar que, sim, enfermeiros estão desbravando fronteiras e são capazes de empreender.
Desenvolvimento do projeto e próximos passos
Desde o início do mestrado, as enfermeiras se tornaram amigas e já atuavam em outros projetos. Então, diante do desafio proposto na disciplina, se reuniram virtualmente e, impulsionadas pela experiência de Flávia na área da neonatologia, começaram a pesquisar sobre a Rede Cegonha do Sistema Único de Saúde (SUS), que atende gestantes, puérperas e recém-nascidos, para identificar seus maiores problemas.
— A partir da minha 21ª semana de gestação, fui uma grávida hipertensa, que desenvolveu pré-eclâmpsia. E sempre falamos: as melhores pesquisas saem da dor do próprio pesquisador. Nós sabíamos dessa dor que as pacientes enfrentavam, então fizemos todo um apanhado científico para chegar ao tema e avaliar a viabilidade do nosso projeto — explica Janaína.
Ciente de que casos graves de hipertensão gestacional podem ser evitados com acompanhamento adequado, a dupla chegou à ideia da pulseira, adicionando o envio dos dados à nuvem como um diferencial. De acordo com Flávia, a ideia é que o processo de leitura de dados aconteça por inteligência artificial. Assim, quando algum número estiver alterado e houver necessidade de acompanhamento, a equipe responsável pelos cuidados daquela grávida receberá uma notificação para acompanhar as orientações enviadas à paciente. Ou seja, não será preciso que um profissional de saúde fique monitorando e avaliando constantemente as informações.
A enfermeira goiana ressalta que, além de evitar mortes maternas e fetais, o uso do produto pode ajudar a reduzir os índices de internação de gestantes e recém-nascidos — o que colabora para a diminuição dos custos do sistema de saúde que aderir à pulseira.
— Quero me dedicar bastante ao produto e vê-lo no mercado, porque sei que é um problema que realmente existe. Uma das metas da Organização Mundial da Saúde (OMS) é reduzir as mortes maternas e fetais até 2030 e o Brasil está junto nessa meta. Precisamos diminuir esses números, e acredito que esse projeto vá conseguir ajudar nisso — afirma Flávia, que é formada há 14 anos e trabalha no Instituto de Angiologia Raja Venkata, em Goiânia.
A dupla comenta que, em um primeiro momento, a ideia é que seja feita uma parceria com o SUS, para que a pulseira seja implementada na Rede Cegonha. No entanto, essa definição depende de quem apoiará o grupo nos financiamentos. Janaína destaca que a equipe está aguardando uma devolutiva do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), para saber se o projeto contará com o apoio do governo, e buscando outras parcerias para o desenvolvimento do produto. A previsão é de que a pulseira comece a ser testada em gestantes no prazo de até um ano.