A exigência de passaporte vacinal a partir desta segunda-feira (18) para entrada em uma série de atividades em todo o Rio Grande do Sul, incluindo boates, partidas de futebol, festas de casamento, formaturas, cinemas, teatros e museus, deve reduzir a abstenção de 750,7 mil gaúchos que estão com a segunda dose de vacina contra o coronavírus em atraso, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (SES-RS).
A exemplo de Amazonas, Pará, Pernambuco e Espírito Santo e de nações ricas, o governo Eduardo Leite (PSDB) determinou a exigência de vacinação para acessar locais com aglomerações, nos quais há maior risco de contágio. A ciência sabe que vacinados, ainda que possam passar a covid-19, transmitem menos e por menos dias do que não vacinados.
Para encerrar a pandemia, a meta do Ministério da Saúde é vacinar com duas doses 85% de toda a população, mas 12 milhões de brasileiros estão com a segunda dose atrasada, segundo análise da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com dados de até segunda-feira passada (11). No país, 71% dos habitantes tomaram a primeira dose e 49%, duas.
A meta também está distante para o Rio Grande do Sul, onde, até esta segunda-feira, 77% de todos os gaúchos tomaram a primeira dose e 56% completaram o esquema vacinal, segundo estatísticas estaduais.
A despeito de ser a 10ª unidade da Federação com menor taxa de atraso para segunda dose, segundo a Fiocruz, dados desta segunda-feira do Palácio Piratini mostram que 750,7 mil gaúchos tomaram a primeira dose e poderiam tomar a segunda, mas não o fizeram — 437,1 mil para AstraZeneca, 166 mil para CoronaVac e 147,6 mil para Pfizer.
A adesão à primeira dose, afirmam gestores, é um desafio maior entre adolescentes — apenas 55% dos gaúchos entre 12 e 18 anos receberam a primeira aplicação.
Por meio de nota, a SES-RS destaca que a redução no número de novos casos e óbitos no Estado comprova o impacto positivo da vacinação e que a ideia do passaporte "é estimular a busca pela segunda dose e aumentar a adesão da população ao esquema vacinal completo".
— Chegamos a mais de 93% da população adulta com uma dose e passamos de 71% com o esquema vacinal completo. O Rio Grande do Sul vem desde o início pontuando como um dos três Estados com a maior vacinação. Há necessidade de comprovação de vacinação naqueles locais com maior risco sanitário e com mais pessoas interagindo ao mesmo tempo para reduzir o risco de contaminação — afirmou à Rádio Gaúcha na manhã desta segunda-feira Bruno Naundorf, coordenador do grupo de trabalho do governo do Estado para elaboração de protocolos.
Na visão do presidente do Conselho de Secretários Municipais da Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems-RS), Maicon Lemos, a medida ajudará a reduzir o número de gaúchos com atraso na segunda dose, mas não resolverá completamente o problema.
Lemos, que é secretário de Canoas, destaca que muitos não tomaram a segunda dose por outros motivos, como medo da reação adversa, dificuldade em conciliar horários de trabalho com ida ao posto de saúde e mesmo por esquecimento da data para receber a segunda aplicação.
— Entendemos que essa medida vem ao encontro da orientação para que as pessoas se vacinem contra a covid-19, uma vez que temos vacinas disponíveis e uma abstenção, principalmente na segunda dose, grande. Essas 750 mil pessoas têm maior propensão de pegar covid e desenvolver uma situação mais grave. Cobrar a carteira vacinal tem o objetivo importante de garantir a segurança e a saúde de quem está no espaço — afirma Lemos.
Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo (MDB) se posicionou contra o passaporte vacinal. Na capital gaúcha, 79% de todos os habitantes tomaram a primeira dose e 61,3% completaram o esquema vacinal, de acordo com estatísticas da prefeitura. Mas, até esta segunda-feira, 23 mil pessoas estavam com segunda dose atrasada, segundo boletim do Executivo municipal.
Por nota, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) afirmou que "diante da exigência do comprovante de vacinação contra a covid-19, determinada pelo governo estadual no decreto 56.120/21, a prefeitura de Porto Alegre atualizou seu plano de fiscalização e irá manter a atuação dos agentes, priorizando as atividades econômicas que sofreram alterações, como cinemas, feiras, casas noturnas e eventos".
A prefeitura acrescenta que, a partir desta segunda-feira, "serão exigidos integralmente os protocolos previstos no decreto municipal 21.193, publicado em 3 de setembro".
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é contra o passaporte vacinal sob a justificativa de que é preciso respeitar a liberdade de quem não quer se vacinar - ele mesmo afirmou na semana passada que não buscará imunizantes, a despeito de a ciência já ter formado consenso de que essa é a única saída para acabar com a pandemia.
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar a matéria, estabeleceu que governantes não podem obrigar brasileiros a se vacinarem de forma direta, mas sim de forma indireta, ao exigir a apresentação de vacinas para frequentar determinados espaços com aglomeração de pessoas. A decisão abriu caminho para prefeitos e governadores exigirem o documento.
Exemplos pelo Brasil e pelo mundo
A experiência de outros locais mostra que o passaporte vacinal contribui para combater a abstenção. A cidade do Rio de Janeiro implementou o passaporte em setembro, incluindo a demanda também para academias e pontos turísticos, como o Cristo Redentor. Após a medida, o número de cariocas com a segunda dose atrasada caiu em 40% em apenas uma semana.
Em Santa Catarina, o documento é exigido somente para eventos. Nesta semana, o Estado chegou a quase 75% de todos os habitantes com primeira dose e ultrapassou o Rio Grande do Sul, atingindo o segundo melhor desempenho do país, conforme o portal coronavirusbra1.github.io, que compila dados das Secretarias Estaduais da Saúde.
A cidade de São Paulo implementou o passaporte vacinal em setembro para a entrada em congressos, feiras de negócios, jogos de futebol e outros eventos. Como resultado, houve, no início do mesmo mês, 1,3 milhão novos downloads do aplicativo mantido pelo governo do Estado que permite mostrar o comprovante. Hoje, a capital paulista tem uma das melhores coberturas vacinais dentre todas as capitais brasileiras.
Em 27 países da União Europeia, o passaporte vacinal é exigido. Após a exigência do documento na França, inclusive para bares e restaurantes, uma correria por vacinas chegou a esgotar imunizantes por alguns dias. Hoje, 67% dos franceses completaram o esquema vacinal, segundo dados do Our World in Data.
Na Grécia, o governo tornou a vacinação obrigatória para profissionais da saúde e colocou-a como requisito para acesso a espaços internos de bares e restaurantes. Em discurso na televisão com grande repercussão, o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis afirmou que "o país não será fechado novamente por causa da atitude de alguns".