O Ministério Público Federal em São Paulo abriu um inquérito civil para apurar a conduta do Conselho Federal de Medicina (CFM) diante do chamado tratamento precoce contra a covid-19 — o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença, incentivado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. Ao justificar as investigações, a procuradora Ana Leticia Absy registrou que há "indicativos de uma atuação possivelmente irregular" da autarquia órgão.
O inquérito é derivado de um procedimento que tramita desde o ano passado na Procuradoria, instaurado com base em representação apresentada pelo médico Bruno Caramelli, representado pela advogada Cecília Mello. A representação questionava o fato de o CFM não se posicionar contra o tratamento precoce.
A portaria de conversão do procedimento em inquérito civil foi publicada na terça-feira (5). De acordo com a Procuradoria, a documentação vai ser analisada "com o intuito de verificar se é o caso de expedir recomendação ou ajuizar ação civil pública em face do órgão".
"Para a completa elucidação dos fatos sob apuração, há ainda necessidade de prática de algumas diligências, de maneira que o feito em tela deve ser convertido em Inquérito Civil Público", registra a portaria de abertura da investigação.
Ao justificar a conversão do procedimento em inquérito civil, a Procuradoria detalhou algumas ações realizadas durante o período de tramitação da apuração, entre elas informações prestadas pelo CFM com relação ao tratamento precoce.
O órgão chegou a alegar à Procuradoria que "inexiste qualquer tratamento comprovadamente eficaz", defendendo "a autonomia dos médicos e pacientes na escolha dos tratamentos, desde que haja consentimento livre e esclarecimentos".
A indicação foi mantida mesmo após a Procuradoria pedir esclarecimentos ao CFM após a divulgação de estudo, pela Conitec, atestando a "inadequação do uso da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com covid-19".
Ao Estadão, o presidente do CFM, Mauro Luiz de Britto Ribeiro, disse que estudos científicos internacionais adotados como parâmetro pela Organização Mundial da Saúde (OMS) não são suficientes para que o conselho condene o uso de hidroxicloroquina e cloroquina no tratamento precoce da infecção pelo sars-cov-2.
Segundo anunciou na última quarta-feira (6) o relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Ribeiro passou à condição de investigado "por seu apoio ao negacionismo, pela maneira como deu suporte à prescrição de remédios ineficazes — e os defendeu publicamente — e pela omissão diante de fatos evidentemente criminosos".
Em nota, o CFM informou que, até o momento, "não recebeu qualquer comunicação oficial sobre o assunto. Caso seja acionado, oferecerá todas as informações pertinentes".