Duas semanas após a liberação de R$ 19 milhões por parte do governo federal para a distribuição de radiofármacos, hospitais e clínicas especializadas em tratamentos para o câncer e demais doenças ligadas à medicina nuclear devem enfrentar uma nova escassez de medicamentos. Na época, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes já havia alertado que a redistribuição do orçamento para o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) garantiria apenas 14 dias de trabalho. O órgão vinculado à pasta é responsável por 85% do fornecimento nacional de insumos químicos radioativos usados na medicina nuclear.
No dia 7 de outubro, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que garantiria um repasse de mais de R$ 690 milhões para a produção dos insumos, valor que seria suficiente para abastecer os estoques até o final do ano. Para a medida entrar em vigor, no entanto, o texto ainda precisa ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. Como isso ainda não foi feito, o Ipen enviou uma nota aos hospitais alertando que já não será possível liberar novos medicamentos a partir da próxima segunda-feira (18). Isso porque os fornecedores exigem que os pedidos sejam feitos com até 21 dias de antecedência.
Com isso, autoridades médicas responsáveis pela medicina nuclear já começam a se organizar para garantir o atendimento aos pacientes mais graves. No hospital Conceição, em Porto Alegre, a principal demanda é pelo gerador de tecnécio, substância utilizada para exames de cintilografia, necessários para a detecção de câncer, risco de infarto, tromboembolismo pulmonar, entre outras doenças. O coordenador de medicina nuclear da instituição, Eduardo Rosito de Vilas, afirma que o hospital tem capacidade para garantir 30% dos exames por até sete dias após o fim do fornecimento.
- Se ficarmos apenas uma semana sem receber (o tecnécio), dá pra dar um jeito. Estamos selecionando aquelas pessoas mais necessitadas para agendar os exames nos próximos dias. Mas, se a escassez permanecer, as coisas poderão complicar - explica.
Enquanto isso, clínicas de menor porte já apresentam dificuldades para adquirir os medicamentos necessários. A Irradial, localizada no hospital Beneficência Portuguesa da Capital, está tendo de reagendar exames pela demora em conseguir o iodo 131, substância utilizada na iodoterapia. Pacientes estão enfrentando um atraso de sete a 15 dias para conseguir realizar o procedimento, fundamental para tratar o Câncer.
Foi o caso da pedagoga Fernanda Lontra. Ela sofre de um tumor na tireóide. O seu exame foi agendado para a última quarta-feira (13), mas teve de ser cancelado. No início da manhã seguinte, foi possível adquirir a dosagem necessária para o seu atendimento, que acabou sendo remarcado para o próximo dia 22. Apesar disso, ela desconfia que o exame possa ser novamente desmarcado.
- Fico um pouco desconfiada pois falamos com vários hospitais no país que também estão com dificuldades na aquisição. Pode ser que, com a situação atual, haja um novo problema. Me preocupo pois já atrasei o procedimento em razão da pandemia. Não posso esperar mais tanto tempo - relata.
O médico nuclear Diego Pianta, do Instituto do Cérebro do Hospital São Lucas da PUCRS (InsCer), explica que, conforme a demora para o recebimento dos insumos, há alternativas para suprir a demanda dos pacientes, embora possam oferecer mais riscos à saúde e um maior impacto financeiro.
- Existem formas de resolver parcialmente o problema, mas são procedimentos um pouco mais invasivos aos pacientes, sem falar que o custo acaba sendo maior. Realizar um cateterismo, por exemplo, é muito mais caro do que uma cintilografia - esclarece Pianta.
Procurado pela reportagem de GZH, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações ainda não se manifestou sobre a possível falta de medicamentos.