Anunciado pelo governador Eduardo Leite na noite de quinta-feira (30), um decreto estadual ampliará o público em futebol, eventos sociais e feiras e liberará o uso da pista de dança em casas noturnas. Para participar das atividades, contudo, haverá um condicionante: o sujeito precisará comprovar que está vacinado contra a covid-19 com uma ou duas doses, a depender da idade. Ainda que não discordem de eventuais flexibilizações, especialistas ouvidos pela reportagem de GZH recomendam cautela e alertam para um possível recrudescimento da pandemia, causado pelo aumento da circulação de pessoas.
Segundo Alcides Miranda, professor de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o que preocupa nas flexibilizações é que elas não vêm acompanhadas de um monitoramento mais consistente da situação epidemiológica por parte do governo do Estado.
— Temos o incremento da cobertura vacinal, mas, ao mesmo tempo, lidamos com o surgimento de variantes de cepas virais, que felizmente, por enquanto, parecem ter maior transmissibilidade, mas sem maior letalidade. Uma alteração no risco de letalidade a partir do ingresso de uma nova variante nos colocaria, de novo, em situação de grande vulnerabilidade — alerta o docente.
O professor explica que um bom monitoramento epidemiológico leva em conta não apenas a análise de eventos diretos, como casos, complicações, sequelas e óbitos,mas também eventos associados, como questões sociais e econômicas, para fazer projeções com base na possibilidade do cenário atual se manter ou modificar. Contar com esses dados mais amplos antecipa tendências e permite tempo hábil para que se evite novas ondas de casos, conforme Miranda.
A UFRGS dispõe de tecnologia para fazer uma análise epidemiológica amplificada, mas, de acordo com o docente, pouco foi chamada para contribuir com o Estado. Mesmo assim, Miranda tem realizado projeções por conta própria e diz ter identificado a última grande onda de casos, ocorrida entre fevereiro e março, ainda em novembro. Sobre o momento atual, afirma que a situação tem, de fato, melhorado.
— Ao que parece, todas as condições são propícias para essa flexibilização começar a acontecer, só que precisa ser feita com mais cautela. Não seria o momento para permitir atividades em lugares fechados, por exemplo, mas já é possível o retorno de determinadas atividades de trabalho — pontua o professor, que considera a exigência de passaporte vacinal positiva para induzir as pessoas a se imunizarem.
O infectologista Ronaldo Hallal, que é membro do Comitê Covid-19 da Sociedade Riograndense de Infectologia, pondera que a pandemia tem trazido o impasse constante de permitir atividades econômicas, para que as pessoas consigam seu sustento, mas também garantir condições sanitárias seguras para a população.
— O aumento da circulação de pessoas, somado à falta do uso de máscaras e do distanciamento, aumenta o risco. Infelizmente, a pandemia ainda não terminou e temos a realidade de que, possivelmente, a variante Delta se tornou prioritária aqui no Estado, o que coloca alguns desafios de prevenção — avalia o médico.
A principal preocupação de Hallal é com o aumento da circulação de pessoas gerado pela liberação de grandes eventos, como jogos de futebol. Ele salienta que, para além da partida em si, esses eventos trazem maior fluxo de pessoas no transporte público, nos entornos dos estádios e em bares, o que deixa mais pessoas em contato com o vírus.
— Seria importante um aumento da cobertura de testagem, uma distribuição efetiva de máscaras adequadas e ações de comunicação e prevenção mais amplas — sugere o infectologista.
Como será a fiscalização dos protocolos
Diretor de Auditoria do Sistema Único de Saúde da Secretaria Estadual de Saúde (SES), Bruno Naundorf diz que o Estado possui um sistema compartimentado de funcionamento regular do sistema de Vigilância em Saúde, e que, além desse sistema, a fiscalização do cumprimento dos protocolos também deverá ser reforçada pelos municípios. Já a exigência do passaporte vacinal deverá ser feita pelos próprios estabelecimentos.
— Caberá aos estabelecimentos fazer o controle e observar a exigência dela (carteira de vacinação) ou da testagem, como é qualquer medida que se tem até hoje — explica Naundorf.
O diretor afirma que não há inovações nos protocolos exigidos no decreto e diz acreditar que os estabelecimentos farão ações para cumprir com os regramentos:
— As empresas, entidades e clubes têm ideia de fazer ações para a manutenção dos bons indicadores do Estado que, agora, nos permitem fazer flexibilizações, mas desde que tenham cuidados com os protocolos obrigatórios. Isso não significa que a pandemia acabou — adverte.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) celebrou as flexibilizações. Em nota, destacou que a medida ajuda o setor de eventos e inibe festas clandestinas. No entanto, a entidade questionou a introdução do passaporte vacinal, que “gera um problema devido às liberdades individuais”, e destacou o custo gerado para os participantes de eventos com mais de 400 pessoas, que terão de apresentar, além da carteira de vacinação, testes negativos para covid-19 feitos até 72 horas antes.