O surgimento de variantes cada vez mais transmissíveis do coronavírus tem aumentado o número de novos casos da doença no mundo inteiro ao mesmo tempo em que deixa no ar uma pergunta: as mutações seguirão aumentando indefinidamente sua capacidade de infectar pessoas?
Com base no que se sabe sobre os vírus em geral e o causador da covid-19 em particular, especialistas dizem que não. Embora seja fundamental manter precauções que diminuam a circulação da doença e limitem o surgimento de cepas, tudo indica que elas vão atingir um “teto” de transmissibilidade. A questão é quanto tempo falta para ser alcançado e quão elevado pode ser.
Virologista da Universidade Feevale, Fernando Spilki assegura que não haverá um crescimento contínuo no nível de infecção da covid-19.
— Esse processo vai ter um topo. Vai chegar um momento, pelo que já vimos com patógenos similares, com evolução parecida, em que há uma lentificação nesse processo de ficar cada vez mais transmissível. Parece, pelo que temos visto, que estamos chegando lá — avalia Spilki.
O chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas, Eduardo Sprinz, detalhou o mecanismo de transformação do coronavírus em entrevista ao programa Timeline da Rádio Gaúcha na manhã desta quarta-feira (11).
— O vírus tem uma capacidade não infinita, tem uma capacidade máxima de conseguir fazer essas mutações e, daqui a pouco, isso termina — afirmou Sprinz.
Entre as razões para esse limite está a estrutura do micro-organismo.
— Esse vírus, do ponto de vista virológico, é muito rudimentar. Tem somente quatro proteínas, e só uma delas é mais maleável, consegue se adaptar mais e mudar ao acaso, que é a proteína responsável pelo vírus se ligar às nossas células. Então, ela tem um limite, e esse limite daqui a pouco vai chegar — explicou o infectologista.
Para essa expectativa ser frustrada, seria preciso uma alteração bem mais significativa e menos provável, como o vírus “entrar em contato com outro totalmente diferente”, conforme Sprinz.
Estima-se que o vírus original, identificado em Wuhan, na China, pudesse infectar cerca de 2,5 pessoas a partir de um contaminado. Quando chegou à Europa, esse índice (chamado R0) havia subido para três e, com a variante Delta, chegou a algo entre cinco e oito. Outras mutações, como a recém-descoberta Iota, nos EUA, seguem sendo monitoradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Uma das razões para esse crescimento na capacidade de contaminar pessoas se sustenta no fato de que, quando um vírus desse tipo migra de um animal para um ser humano, “é muito raro que ele seja perfeito (para contaminar)”, conforme recente depoimento da virologista do Imperial College de Londres Wendy Barclay à BBC britânica. Depois de desembarcar no corpo humano, passa a acumular vantagens evolutivas – até um determinado ponto.
Estratégia de vacinação
Outra questão em aberto é se uma maior transmissibilidade, que dificulta o atingimento da imunidade coletiva por meio das vacinas (quando a circulação da doença é interrompida), exigirá novas doses de imunizante ou até mesmo uma vacinação contínua, como a da gripe.
— Novas variantes vão surgir na medida em que se prolonguem os anos, embora não necessariamente enfrentemos desafios maiores (em termos de transmissibilidade). Mas parece que será necessário termos continuidade de vacinação, da mesma forma como lidamos com outras doenças ao longo do tempo. Tendo vacinação continuada de perto de 100% da população, a tendência é de que a gente não perceba tantos surtos e internações de forma sustentada — crê Spilki.
Ainda temos muito a aprender com as variantes
JUAREZ CUNHA
Presidente da SBIm
A imunologista da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Cristina Bonorino avalia, porém, que até o momento não há indicação de que será necessária uma revacinação periódica e universal:
— Se for vacina de mRNA (como Pfizer e Moderna), já sabemos que não precisamos de vacina todo ano. Só temos de vacinar todo mundo. Em relação à CoronaVac, por exemplo, ainda não sabemos porque os estudos são insuficientes.
Presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha entende que não há como garantir, ainda, qual deverá ser a estratégia de vacinação mesmo na eventualidade de o coronavírus atingir, em breve, um platô de transmissibilidade.
— Ainda temos muito a aprender com as variantes, com as vacinas e com o que vai acontecer com essa iniquidade entre países. Não adianta o Brasil somar 80% de cobertura vacinal, por exemplo, se outros países mantiverem o vírus circulando. Tudo o que está acontecendo só aumenta a importância de aumentarmos o percentual de toda a população com a imunização completa — observa Cunha.