Mais transmissível do que outras variantes do coronavírus, a Delta ameaça aumentar o número, a dimensão e o risco dos surtos de covid-19 no Rio Grande do Sul.
Nos últimos dias, foram divulgadas ocorrências com suspeita ou confirmação da presença da nova cepa em diferentes regiões do Estado, em estabelecimentos como instituições de saúde, asilos e prefeituras, o que contrasta com uma tendência de queda registrada entre o começo de junho e o final de julho – período mais recente com informações consolidadas.
A quantidade de surtos notificados à Secretaria Estadual da Saúde (SES) recuou 44% ao longo desses dois meses e chegou a 113 episódios ativos na semana epidemiológica encerrada em 31 de julho. Agora, especialistas temem uma reversão desse quadro por conta da proliferação da Delta combinada ao descuido com medidas básicas de prevenção, como uso de máscara e distanciamento. Esse novo cenário pode incluir episódios mais explosivos, com contaminações mais rápidas e em maior quantidade devido à maior capacidade de infecção da mutação.
O monitoramento feito pela SES e publicado regularmente em boletins epidemiológicos serve como indicador da quantidade de transmissões localizadas da covid-19, mas inclui apenas estabelecimentos fechados à circulação do público, como empresas e asilos. Não engloba hospitais, como o Clínicas e o Conceição, em Porto Alegre, onde foram observados surtos nos últimos dias. Ainda assim, serve como termômetro do impacto da pandemia em ambientes específicos que podem servir como fontes para a disseminação do vírus na sociedade.
Na avaliação da infectologista Andréa Dal Bó, integrante da Sociedade Riograndense de Infectologia, o panorama atual lembra o início da pandemia – quando versões anteriores do coronavírus começaram a ganhar espaço também por meio de surtos, principalmente em asilos.
— Desde o começo de 2020, os surtos nunca deixaram de ocorrer, mas o que vemos de diferente, agora, é uma maior proporção de pessoas infectadas em razão da transmissibilidade da Delta — aponta Andréa, que também atua no Hospital Virvi Ramos, em Caxias do Sul.
A infectologista afirma que a carga viral nas contaminações provocadas pela variante é até mil vezes maior do que a de outras, e o período de incubação da doença cai de seis para três dias. Isso favorece surtos mais explosivos e de maior dimensão.
— No ano passado, uma pessoa transmitia, em média, o vírus para outras duas ou três. Agora, é para outras sete — compara Andréa.
O Hospital Conceição já havia contabilizado até a manhã desta quinta-feira (12), por exemplo, 89 pessoas infectadas. Nos 1.552 surtos notificados até o final de julho, a média de contaminados era de 25 pessoas por ocorrência. Apenas nos últimos dias, outros locais, como o Clínicas, o Hospital Annes Dias de Ibirubá, a clínica psiquiátrica Paulo Guedes de Caxias do Sul e a prefeitura de Cidreira, entre outros pontos, registraram contaminações múltiplas que podem ter relação com a Delta.
Isso já motiva discussões no governo estadual para tentar acompanhar o ritmo da cepa, identificar novos surtos e isolar infectados com mais rapidez.
— É preciso pensar mais ativamente em como qualificar o rastreamento e diminuir o risco desses episódios: isolar casos, tirar do ambiente de trabalho, mas também do convívio com os familiares. Todo o domínio que tínhamos da covid era com uma velocidade de transmissão. Agora, temos outra — afirma a diretora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), Cynthia Bastos.
Eficácia das vacinas
Outro ponto a ser observado é que nível de resistência a vacinação conseguirá impor à marcha da nova mutação. Andréa Dal Bó lembra que, no começo da pandemia, surtos foram sucedidos por aumento generalizado no número de casos e, na sequência, crescimento exponencial. Agora, parte da população está imunizada, mas a Delta reduz a eficácia das vacinas principalmente quando encontra pessoas apenas parcialmente protegidas.
— A eficácia de vacinas como a da Pfizer e a AstraZeneca fica em apenas 30% com somente uma dose diante da Delta. Com duas, sobe para quase 70%, no caso da AstraZeneca, e para 88%, no da Pfizer. Por isso, seria importante pensar em reduzir o intervalo entre as aplicações, principalmente no caso da Pfizer, cuja bula prevê 21 dias — compara a infectologista.
Atualmente, 29,5% dos gaúchos estão com esquema vacinal completo, índice que baixa para 22,5% na média nacional. Uma maior proteção vacinal poderia limitar as contaminações e mantê-las mais restritas a surtos, mas a demora em alcançar patamares mais elevados de imunização integral favorece que episódios localizados impulsionem ondas mais amplas de novas infecções.