A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) não autorizou nenhum ensaio clínico com o medicamento proxalutamida no Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre. Segundo o coordenador do órgão, Jorge Venâncio, não houve sequer solicitação para esse tipo de estudo na instituição.
— Não houve nenhuma comunicação conosco. Vamos debater a questão, mas imagino que vamos fazer um ofício ao diretor do hospital, pedindo esclarecimentos, e colaborar com a investigação do MPF (Ministério Público Federal) — relata Venâncio.
A denúncia que o MPF investiga é de que a proxalutamida tenha sido usada de forma irregular no tratamento de pacientes com covid-19, em um ensaio clínico clandestino. O medicamento não tem aprovação para comercialização no Brasil – a Anvisa liberou apenas dois estudos com este fim, até o momento, em Roraima e em São Paulo. O MPF enviou ofícios aos órgãos e ao hospital, que precisam responder formalmente aos questionamentos até o dia 31 de agosto.
O coordenador da Conep relata que, para uma pesquisa ser conduzida, é preciso que o pesquisador responsável e a instituição de saúde onde o estudo será feito estejam cadastrados na Plataforma Brasil, sistema online vinculado à comissão. Cada instituição também deve ter um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) credenciado no sistema. Nos casos em que a pesquisa é multicêntrica – ou seja, será realizada em mais de uma instituição – todos os centros envolvidos precisam ter autorização da Conep e cada um deles precisa ter um pesquisador responsável, também autorizado. Quando novos centros entram na pesquisa no decorrer do estudo, eles precisam ser acrescentados no cadastro, por meio de emenda.
Especificamente sobre o caso ocorrido no Hospital da Brigada Militar, Venâncio relata que a instituição não possui um CEP credenciado na Plataforma Brasil. O coordenador afirma que há um estudo aprovado pela Conep previsto para ocorrer em Brasília e que, após denúncias de que estaria sendo realizado também no Amazonas, sem consentimento, está sob análise da comissão. Um dos médicos apontados como responsáveis pelo estudo disse, em sua conta no Twitter, que os experimentos em Porto Alegre fariam parte dessa pesquisa de Brasília. Na Conep, porém, não há menção a experimentos no Rio Grande do Sul.
A proxalutamida é um medicamento experimental, desenvolvido pela indústria farmacêutica chinesa com o intuito de tratar o câncer. Como bloqueia os receptores de testosterona, sua principal indicação terapêutica é para os tumores de próstata. Mais recentemente, no entanto, passou a ser investigada na covid-19 e teve uso defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Apesar de o remédio ainda não ter aprovação em nenhuma agência regulatória, o coordenador da Conep não vê problemas em testar sua eficácia contra a doença.
— Tem pesquisas com a proxalutamida acontecendo em outros lugares com a maior seriedade. Nosso problema não é com a substância. Se tem alguma possibilidade de ela ter efeito positivo, vamos testar, mas tem que fazer direito — defende Venâncio.
A Anvisa, por sua vez, informou por meio de nota que houve pedido de importação do medicamento na modalidade de remessa expressa, para o desenvolvimento de pesquisa científica. Como a importação não tinha como objetivo o registro do produto no Brasil, não havia necessidade de avaliação do caso por parte da Anvisa, ficando o assunto restrito somente à análise da Conep e do comitê de ética da instituição onde o estudo seria feito.
Além do MPF, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) anunciou que abrirá uma sindicância para investigar as denúncias. Por meio de nota, a entidade informou que tomou conhecimento do assunto pela imprensa e que a investigação dará conta das “graves denúncias” e avaliará se houve “ilícito ético” por parte dos médicos responsáveis pela pesquisa. O caso foi revelado na terça-feira (24), em reportagem do portal Matinal.
Por meio de nota, a Brigada Militar relatou na quarta-feira que, até então, informações preliminares apontavam que “o estudo obedeceu às exigências dos órgãos competentes e as normas legais aplicáveis aos procedimentos em questão”. Mesmo assim, o órgão anunciou a instauração de uma sindicância para apurar as circunstâncias da realização do estudo e prometeu colaborar com a investigação do MPF.