Anunciada pelo governo uruguaio e mais recentemente por Israel e Alemanha, a terceira dose de vacinas contra a covid-19 ainda tem muitas lacunas em aberto. Mesmo sem embasamento científico, algumas entidades brasileiras já têm pavimentado o caminho para discutir esse tema, sobretudo no que diz respeito ao reforço em profissionais da saúde.
Na sexta-feira (30), por exemplo, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) lançou uma pesquisa para avaliar o interesse da classe em uma possível terceira dose, seja ela via programa de imunizações ou como parte de um estudo. Em poucas horas, a adesão foi considerada grande, com 2 mil participações e uma parcial acima de 98% interessada na dose adicional, conta Marcelo Matias, presidente do sindicato.
Nesse sentido, outros movimentos já apareceram em outros pontos do país, como no Ceará. No começo de junho, o Sindicato dos Médicos do Ceará encaminhou ao Ministério da Saúde um ofício questionando a pasta sobre as estratégias que serão adotadas em relação a uma eventual necessidade de terceira dose. Em meados de julho, foi a vez do Sindicato dos Médicos do Amazonas reivindicar uma terceira dose aos profissionais da saúde que receberam duas doses de CoronaVac. No Rio Grande do Sul, no entanto, a sondagem não foi específica para nenhum imunizante.
— Nós defendemos todas as vacinas; porém, sabemos que elas têm perfis distintos. Por isso, seguimos esse movimento para, inicialmente, saber se os médicos julgam adequado um posicionamento do sindicato nesse sentido. A partir daí, vamos entrar em contato com o Ministério da Saúde para oferecer a estrutura do Simers, seja para pesquisa ou para avaliar a perspectiva de terceira dose — esclarece Matias.
— No Uruguai, a terceira dose da Pfizer será oferecida para quem tomou duas de CoronaVac. Já em Israel, será uma terceira dose de Pfizer para quem já completou o esquema desse mesmo laboratório. Nesse sentido, nossa pesquisa foi para entender o interesse da classe — completa.
De acordo com o presidente do sindicato, embora os médicos tenham tomado a dianteira, o debate se estende a todos os profissionais da saúde, como enfermeiros e técnicos.
Reforço não tem embasamento científico
Ainda em fase de estudos com as vacinas contra a covid-19, a avaliação da necessidade ou não de reforço é um procedimento comum ao se desenvolver um imunizante. Recentemente, o Ministério da Saúde informou que vai patrocinar um estudo para avaliar a necessidade de uma dose extra de CoronaVac. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também já havia autorizado uma pesquisa para avaliar a segurança, a eficácia e a imunogenicidade de um reforço da AstraZeneca.
Contudo, até o momento não há embasamento científico que comprove a necessidade de uma terceira dose de qualquer um dos imunizantes em uso no país, destaca a infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Além disso, acrescenta, esse não é o momento em pensar em reforço, pois a cobertura vacinal da população em geral ainda é baixa:
— Neste momento, temos ainda uma porcentagem de população vacinada muito baixa, então o que devemos fazer é unir forças e pressão para que possamos avançar na vacinação completa de toda a população, que, hoje, é acima de 12 anos. Só com o esquema completo nós teremos uma diminuição de risco de formas graves da covid-19 pela variante Delta.
Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), engrossa o coro e repete que, por ora, não faz sentido revacinar nenhum grupo, tendo em vista a grande parcela de brasileiros que ainda não foi imunizada:
— Mas, sem dúvida, a gente precisa olhar para esses dados de efetividade ao longo do tempo. As vacinas reduziram as hospitalizações de idosos em 90%, 95%, de acordo com o que saiu agora. Precisamos ver se daqui a dois, quatro, seis, oito meses essa proteção se mantém. É preciso ver essas informações para definir se terá ou não uma dose de reforço.
Para Kfouri, antes de avançar em uma dose de reforço, é preciso ter algumas respostas, como: quais imunizantes vão requerer terceira dose e qual será o reforço – do mesmo fabricante ou de outro? –, quanto tempo depois e qual o público a ser priorizado.
— São muitas perguntas sem respostas — afirma.
O que já é possível de observar, diz Raquel, é que alguns grupos em especial devem precisar de reforço nas vacinas. Ela cita os imunodeprimidos, especialmente os transplantados.
— Eles fazem parte de grupo que tem uma resposta muito ruim ao esquema de duas doses da vacina e deveriam receber como esquema básico em vez de duas, três doses — garante, acrescentando que, mesmo que não se tenha uma orientação formal para a terceira dose na população em geral, isso pode mudar à medida que estudos avançarem nesse sentido.
Reforço no vizinho
Nesta segunda (2), a Alemanha informou que começará, em setembro, a aplicar uma dose de reforço em pessoas mais velhas e vulneráveis, assim como em quem não recebeu a injeção com a tecnologia de RNA mensageiro. Na semana passada, o Uruguai informou que aprovava o fornecimento de uma terceira dose para todas as pessoas que completaram o esquema com a CoronaVac. Segundo o governo do país vizinho, essa população vai receber a vacina da Pfizer, pelo menos 90 dias depois da segunda dose do imunizante fabricado pela Sinovac. Israel também vai oferecer uma terceira injeção da Pfizer para quem já completou o esquema com esse mesmo imunizante na população com mais de 60 anos. A iniciativa visa a conter o avanço da variante Delta.
Questionado se avalia a possibilidade de revacinar algum grupo em especial, o Ministério da Saúde brasileiro se limitou a dizer que começa, em duas semanas, a pesquisa em parceria com a Universidade de Oxford para avaliar a necessidade de uma terceira dose de vacinas contra a covid-19 para quem recebeu CoronaVac. O estudo vai avaliar a intercambialidade da CoronaVac com outros imunizantes disponíveis para a população brasileira.