O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) decidiu arquivar a sindicância que investigava a conduta do médico Paulo Gilberto Dorneles, que prescreveu a realização de sessões de nebulização de hidroxicloroquina diluída a um paciente que havia sido diagnosticado com covid-19, no Hospital de Caridade de Alecrim, no noroeste do RS.
Lourenço Pereira, 69 anos, tinha histórico de doença pulmonar crônica, foi internado em 19 de março e morreu no dia 22. A sessão que decidiu pelo arquivamento ocorreu em 29 de julho.
A família do idoso afirmou que irá entrar com recurso da decisão junto ao Conselho Federal de Medicina (leia mais abaixo). Os familiares entendem que a conduta do profissional não tem base legal. O homem fez as inalações em 20 de março, o prontuário registrou piora na sua condição de saúde na data seguinte, sem especificação dos motivos para isso.
Responsável pela relatoria do caso, o conselheiro Marcos André dos Santos disse no documento, enviado pelo Cremers à familiar de Pereira que apresentou a queixa contra o médico, que "não há indícios do tratamento ter contribuído para o óbito do paciente" e argumentou que profissionais de cidades pequenas atuam sob "grandes limitações técnicas".
"O Dr. Paulo Gilberto fez o que estava ao seu alcance e até mesmo além, quando arriscou sua carreira utilizando medicamento não autorizado fora de protocolos de pesquisa para tentar salvar a vida de seu paciente", escreveu Santos no relatório.
A nebulização com hidroxicloroquina diluída é um tratamento experimental, que não consta nos protocolos do Ministério da Saúde e de outras instituições com autoridade na área, podendo causar reações adversas, como arritmia cardíaca. Já a medicação com a hidroxicloroquina via oral é prevista nos protocolos oficiais de saúde, mas, ainda assim, não há comprovação de eficácia contra a covid-19 e médicos alertam para riscos de efeitos colaterais.
A hidroxicloroquina deve ser ingerida pela via oral, mas alguns médicos passaram a aplicar a técnica experimental em pacientes da covid-19. Profissionais críticos da prescrição alertam para os riscos de a inalação do fármaco causar efeitos adversos, como taquicardia.
Ao processo interno do Cremers, o médico que atendeu o paciente afirmou que o idoso já chegou ao hospital em estado grave e com quadro que piorava "progressivamente". O profissional relatou que tentou transferir o enfermo para a UTI Covid de Santa Rosa, o que não ocorreu porque o local estaria sem leitos disponíveis.
"Diante da piora do quadro clínico e sem a perspectiva de transferência para local com melhores recursos técnicos optou pelo uso de hidroxicloroquina por via inalatória, segundo ele como medida desesperadora, associada a outras medicações", diz o relatório de Santos.
Em reportagem publicada em 6 de abril, Dorneles afirmou que a nebulização com hidroxicloroquina diluída não afetou o quadro clínico de Pereira. Ele assegurou que o paciente necessitava de atendimento em UTI, mas, apesar de reiteradas tentativas, não foi encontrado leito disponível em hospitais mais estruturados. Também justificou que um comprimido de hidroxicloroquina foi fracionado em quatro partes para fazer as sessões de nebulização. Para o médico, isso afastou qualquer possibilidade de dosagem excessiva:
— Usamos uma dose ínfima, quase um placebo. Não alterou em nada o quadro. Usamos como tentativa enquanto aguardávamos leito de UTI. Eu com o paciente ruim, sem leito de UTI, tu sabes o que é trabalhar no Interior, sem condições. Então a gente usou, foi feita a tentativa, mas em dosagem ínfima porque a gente não tinha segurança da validade.
GZH tenta um novo contato com Dorneles.
O que diz a família de Lourenço
A filha de Lourenço, Eliziane Pereira, 32 anos, afirma que a família entrará com recurso da decisão. Ela relata que a conduta do profissional teria ocasionado a piora no quadro do idoso:
— Se meu pai chegou ao hospital já em estado grave, como menciona o médico, ele não tinha discernimento para consentir com o tratamento. A família deveria ter sido procurada para autorização. Fui eu quem acionou a ambulância para atender o meu pai, mesmo morando em Porto Alegre. Eles deveriam ter nos procurado. Nos revolta o tratamento que foi dado a ele.
O que diz o Cremers
Em nota, o Cremers afirmou, neste sábado (14), que o caso foi julgada pela 6ª Câmara de Sindicância da entidade. Participaram da sessão sete conselheiros do conselho — formado no total por 40.
"A decisão é dos conselheiros da Câmara Sindicante, sendo estes designados pelo corregedor para analise do caso", resumiu a entidade.