O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) abriu sindicância para apurar a conduta do médico Paulo Gilberto Dorneles, do Hospital de Caridade de Alecrim. Ao tratar um paciente de covid-19 de 69 anos, com histórico de doença pulmonar crônica, ele prescreveu a realização de quatro sessões de nebulização de hidroxicloroquina diluída, sem autorização da família do enfermo.
O homem fez as inalações em 20 de março, o prontuário registrou piora na sua condição de saúde na data seguinte, sem especificação dos motivos para isso, e o óbito ocorreu no dia 22. A família de Lourenço Pereira ingressou com denúncia no Ministério Público (MP) por entender que a conduta do profissional “não tem base legal”.
A nebulização com hidroxicloroquina diluída é um tratamento experimental, que não consta nos protocolos do Ministério da Saúde e de outras instituições com autoridade na área, podendo causar reações adversas como arritmia cardíaca. Já a medicação com a hidroxicloroquina via oral é prevista nos protocolos oficiais de saúde, mas, ainda assim, não há comprovação de eficácia contra a covid-19 e médicos alertam para riscos de efeitos colaterais.
— A sindicância foi aberta pela repercussão social do caso, tem uma situação de óbito envolvida e merece uma investigação pormenorizada — diz Eduardo Neubarth Trindade, vice-presidente do Cremers.
Os processos no conselho profissional correm de maneira sigilosa. A sindicância vai apurar eventuais infrações ao Código de Ética Médica. O expediente será arquivado se não forem detectadas faltas nesta análise inicial. Caso haja identificação de condutas irregulares, é aberto um processo ético-profissional (PEP), etapa em que são ouvidas testemunhas e colhidas provas documentais. No final, é realizado o julgamento por uma câmara. Eventuais condenações podem ser acompanhadas de cinco penalidades distintas, desde advertência confidencial até cassação do registro profissional.
Dorneles, médico que terá a conduta analisada, afirmou que a nebulização com hidroxicloroquina diluída não afetou o quadro clínico de Pereira. Ele assegurou que o paciente necessitava de atendimento em UTI, mas, apesar de reiteradas tentativas, não foi encontrado leito disponível em hospitais mais estruturados. Também justificou que um comprimido de hidroxicloroquina foi fracionado em quatro partes para fazer as sessões de nebulização. Para o médico, isso afastou qualquer possibilidade de dosagem excessiva.
— Usamos uma dose ínfima, quase um placebo. Não alterou em nada o quadro. Usamos como tentativa enquanto aguardávamos leito de UTI. Eu com o paciente ruim, sem leito de UTI, tu sabes o que é trabalhar no Interior, sem condições. Então a gente usou, foi feita a tentativa, mas em dosagem ínfima porque a gente não tinha segurança da validade — disse Dorneles.