O Brasil somou mais de 500 mil vidas perdidas para o coronavírus neste sábado (19), mas poderia estar lamentando uma conta bem menos dolorosa do que essa se não houvesse cometido tantas falhas no manejo da pandemia.
Caso o país tivesse se mantido na média mundial de óbitos por covid-19 em relação ao tamanho da população, os brasileiros estariam chorando neste final de semana 104 mil mortes em vez de meio milhão. As 396 mil perdas restantes podem ser atribuídas aos erros cometidos na forma de lidar com a doença desde o registro oficial do primeiro caso, no final de fevereiro do ano passado, até a incapacidade de manter o isolamento e o distanciamento social e a demora no avanço da vacinação.
— Como em toda doença, há mortes inevitáveis, mas há as que são evitáveis. Como ainda temos uma população jovem, deveríamos ter uma proporção de óbitos por habitante abaixo da média mundial. Se ficamos acima, é porque algo deu muito errado nas ações adotadas — analisa a estatística especializada em epidemiologia e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Suzi Camey.
Até a tarde de sábado, o mundo havia registrado 3,87 milhões de mortes por coronavírus entre uma população global de 7,8 bilhões — em uma média geral de 496 por milhão. Aplicada à população brasileira, a proporção resultaria em 104 mil perdas. O número poderia ser ainda mais baixo considerando que a demografia do país indica menor proporção de idosos em relação a outros países, como os europeus.
— Mesmo sem fazer ajuste por idade, estamos entre os 10 países com mais mortes por população de todo o mundo. E continuamos piorando, subindo cada vez mais nesse ranking. Passado o segundo inverno da covid, deveremos estar em situação pior do que a atual — aponta o mestre em Saúde Pública pela Universidade de Harvard Marcio Sommer Bittencourt, da Universidade de São Paulo (USP).
A tabela global de mortes por habitantes apresenta o Brasil na 10ª colocação quando se consideram todos os países listados por instituições internacionais de monitoramento (incluindo territórios pequenos com menos de 100 mil habitantes). Quando se filtram apenas as nações com mais de 1 milhão de pessoas, o Brasil passa a figurar na sétima posição.
Em termos absolutos, o país, que soma a sexta população mundial, fica apenas atrás dos Estados Unidos em relação ao impacto do vírus — esse país somava mais de 616 mil óbitos até o final da tarde de sexta. Mas 0s americanos vêm derrubando a média de vítimas da covid-19 desde o começo de março, graças ao avanço da vacinação, enquanto o Brasil se mantém em patamar elevado de mortalidade. Os EUA já atenderam mais de 44% da população com esquema vacinal completo, contra pouco mais de 11% dos brasileiros.
Na sexta, por exemplo, a média diária (em sete dias) de óbitos por milhão de habitantes nos Estados Unidos era 10 vezes inferior à brasileira — 0,95 contra 9,4. Se essa tendência se mantiver ao longo dos próximos meses, a liderança mundial de vítimas da covid-19 pode migrar para a América do Sul.