A pandemia de coronavírus que aflige o Brasil hoje e fez o país atingir neste sábado (19) a marca de 500.800 vítimas é diferente daquela que começou a se espalhar no começo de 2020. Uma análise da evolução da doença a cada patamar de 100 mil mortos revela que, nos últimos meses, as vítimas são cada vez mais jovens e com menos fatores de risco.
Os microdados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe, que inclui dados detalhados de quem precisou de internação por conta da covid-19) indicam que a idade média de quem morreu em razão da pandemia recuou de cerca de 70 anos em meados do ano passado para 61 nos registros de óbitos no intervalo mais recente de 400 mil a 500 mil mortos.
Segundo o levantamento realizado por GZH, o percentual de notificações que apontam algum fator de risco associado à morte, como complicações cardiovasculares, por exemplo, também vem caindo. Essa proporção chegou a ficar em 79% entre agosto do ano passado e o começo de 2021, mas, atualmente, encontra-se em 69%.
Essas tendências são reafirmadas em um boletim da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que detalha o andamento da covid-19 com base em informações de 30 de maio a 12 de junho. O texto do estudo diz: “O processo de rejuvenescimento da pandemia no Brasil é confirmado por meio dos novos dados obtidos a partir do Sivep-Gripe. A semana epidemiológica 22 (30 de maio a 5 de junho) apresenta idade média dos casos internados de 52,5 anos, versus idade média de 62,3 anos na semana epidemiológica 1 (3 a 9 de janeiro). (...) Para óbitos, os valores médios foram 71,4 anos (semana epidemiológica 1) e 61,2 anos (semana 22).”
Os valores diferem ligeiramente daqueles apurados por GZH por se tratarem de períodos e universos de vítimas distintos. O documento da Fiocruz prossegue com um alerta duro — “O que virá, com a manutenção deste quadro, será verdadeiramente uma onda de incapacidade e condições crônicas para brasileiros jovens, que perderão em qualidade de vida e capacidade produtiva, caso a gestão da pandemia persistir como um experimento natural, sem intervenção efetiva, e sem um plano que anteveja problemas de longo prazo”.
A possibilidade mais forte para essa mudança de cenário, além da exposição das faixas etárias mais baixas ao vírus sem as medidas necessárias de precaução, está no avanço da imunização entre os mais velhos graças à prioridade na fila pelas doses. Veja, a seguir, um resumo de como a pandemia se comportou em cada intervalo de 100 mil vítimas no país.
As tendências de cada período
De zero a 100 mil óbitos (até 8/8/2020) - Aceleração e interiorização da doença no Brasil
Um boletim da Fiocruz divulgado em abril apontava que as mortes dobravam a cada cinco dias no país. Nas cidades entre 50 mil e 100 mil habitantes, 79% delas já tinham registrado casos, mostrando a migração dos grandes centros para municípios médios e pequenos. No ápice da primeira onda, no começo de junho, o país notificou 1.473 óbitos em 24 horas. Haveria um registro ainda maior no final de julho, mas em razão da inclusão de dados represados de São Paulo.
De 100 mil a 200 mil (até 7/1/2021) - Desaceleração em patamar elevado e sincronização da pandemia
Após notificar as primeiras 100 mil mortes em 144 dias, o Brasil testemunhou um recuo moderado da covid-19 e viu dobrar o número de óbitos em 152 dias. Jamais chegou, porém, a níveis satisfatoriamente baixos de transmissão. Nos meses finais do ano, voltou a verificar uma tendência de crescimento no ritmo das mortes, quando praticamente todo o país passou a registrar aumento sincronizado de casos (e não com picos isolados e em períodos diferentes conforme a região).
De 200 mil a 300 mil (até 24/3/2021) – Disparada da pandemia e início da vacinação
Quando muitos acreditavam que o pior havia passado, o descuido com ações de prevenção, a flexibilização de restrições e a disseminação da variante P.1 (rebatizada recentemente como Gama pela Organização Mundial da Saúde) provocaram uma aceleração inédita da pandemia apesar do início da vacinação, em janeiro deste ano. Em apenas 76 dias, o país notificou mais 100 mil mortos – ritmo mais intenso verificado até então.
De 300 mil a 400 mil (até 29/4/2021) - Ápice da covid-19 sob vacinação lenta
Apesar do início da imunização, o andamento vagaroso das aplicações não conseguiu fazer frente ao avanço avassalador do coronavírus. Em pouco mais de um mês — apenas 36 dias — o país registrou outra leva de 100 mil mortos em razão da covid-19. Em 8 de abril, o Ministério da Saúde divulgou o recorde de óbitos notificados em 24 horas até o momento: 4.249 vidas perdidas para vírus.
De 400 mil a 500 mil (até 19/6/2021) - Patamar elevado de óbitos com vítimas mais jovens
Após o pico registrado em abril, as mortes voltaram a apresentar uma desaceleração moderada — o que a ampliou para 51 o número de dias necessários para acumular outra centena de milhares de vítimas. Nas últimas semanas, porém, a pandemia já voltou a dar sinais de agravamento, com avanço na média diária de mortes. A idade média das vítimas, que chegou a ser de 70 anos, baixou para 61. Uma das hipóteses é de que a vacinação já esteja protegendo os idosos, que tiveram preferência na fila da imunização.