O Piratini emitiu mais três alertas a regiões gaúchas sob alto risco diante do coronavírus nesta quinta-feira (20), mas há indícios preliminares de agravamento da pandemia na maior parte do Rio Grande do Sul. Em uma semana, o número de doentes em leitos clínicos com confirmação ou suspeita de covid-19 subiu em 20 das 21 áreas do Estado e resultou em um acréscimo geral de 14,5%. Isso eleva o temor, entre especialistas em saúde, de que ocorra um quarto ciclo de crescimento generalizado da doença em solo gaúcho.
No começo da tarde, o governo lançou novos alertas às áreas de Palmeira das Missões, Santa Rosa e Uruguaiana, que se somam a outras cinco classificadas na mesma categoria de máximo perigo na terça-feira (18). Indicadores precoces da pandemia, porém, como variação na média de novos casos e demanda por leitos clínicos, já apresentam tendência de piora de forma bem mais abrangente.
Dados do boletim diário de monitoramento desta quinta, com informações coletadas até a véspera, indicam que o acumulado semanal de novos casos voltou a crescer no Estado após um período de queda — a quantidade de exames positivos em sete dias por 100 mil habitantes subiu 0,8% (veja no gráfico abaixo) em comparação a uma semana antes. Nos 12 dias anteriores com informações disponíveis no boletim, a tendência havia sido de recuo.
A média geral piorou ao mesmo tempo em que aumentou o número de áreas com sinalização de avanço nesse indicador: 14 das 21 regiões covid em que o Rio Grande do Sul foi subdividido para a gestão da covid apresentam piora no acumulado de notificações. Na terça, quando foram divulgados os primeiros alertas, eram 11 zonas. Palmeira das Missões aparece com o maior salto por esse critério: avanço de 54,8% em uma semana.
Outro indicador, considerado um dos mais confiáveis por especialistas para indicar os rumos da pandemia por estar menos sujeito a eventuais subnotificações, tem impacto ainda mais extensivo. A ocupação de leitos clínicos (que posteriormente podem elevar demanda por UTIs e cifra de óbitos) cresceu em 20 regiões — somente a zona de Capão da Canoa, que manteve a mesma média de uma semana antes, não piorou. Nenhum local apresentou decréscimo (veja no infográfico abaixo).
Embora apenas algumas dessas localidades estejam recebendo alertas de maior gravidade até o momento, a professora de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Suzy Camey acredita que a tendência é o coronavírus seguir se disseminando se não forem tomadas medidas preventivas agora.
— Desde o início da pandemia, vemos que esse crescimento começa em alguns lugares, mas depois se espalha. Não fica restrito a uma ou outra região. Sob o ponto de vista epidemiológico, é esperado que as regiões que ainda não apresentam tendência forte de crescimento, se nada for feito, em alguns dias comecem a ter — alerta Suzy, que também integra os comitês científico e de dados que analisam indicadores e auxiliam o Piratini a estabelecer estratégias de combate à covid.
O virologista e professor da Universidade Feevale Fernando Spilki também teme que os números mais recentes sejam prenúncio de um novo ciclo da covid entre os gaúchos:
— Minha impressão é de que essa desaceleração no decréscimo da média móvel em algumas regiões pode ser prenúncio de uma nova onda, fechando mais ou menos com a dinâmica que vimos no ano passado. Algumas regiões, como a Noroeste, já têm inclusive evidente elevação.
Segundo o membro do comitê Covid-19 da Sociedade Riograndense de Infectologia Ronaldo Hallal, a retomada da mobilidade pode ser feita com mais segurança quando a proporção de exames que dão positivo é inferior a 5%. No começo do mês, quando muitas atividades foram retomadas, esse índice oscilava próximo a 40% no Rio Grande do Sul.
Regiões Metropolitana e de Caxias podem definir rumo da pandemia, diz especialista
O virologista Fernando Spilki sustenta que, a partir de agora, é importante observar como será o desdobramento da pandemia em duas regiões consideradas fundamentais para definir os rumos da doença no Estado: a Metropolitana e a de Caxias.
— Essas áreas têm sido o motor de grandes elevações (de casos) no Estado ao longo do tempo — explica Spilki.
Suzy Camey sustenta que decretos com flexibilização de atividades, como o recentemente divulgado em Porto Alegre, no coração de uma das zonas citadas por Spilki, ampliam a ameaça de uma quarta onda:
— Isso preocupa bastante porque Porto Alegre é um grande centro para onde fluem pessoas de todas as outras regiões. Precisamos de mais alguns dias para ter certeza se já começou o movimento de subida da pandemia (em todo o Estado) ou se ficaremos em estabilização. Com as aberturas, vai ser difícil separar o que é efeito disso e o que iria acontecer naturalmente (pelo curso anterior do coronavírus).
Caxias recebeu, nesta quinta, um “aviso” do Piratini sobre indícios de piora em indicadores como aumento de internações em leitos clínicos. Essa é a etapa inicial do sistema 3As, que sugere aos prefeitos redobrarem atenção aos sinais da doença, mas não obriga a adotar novas ações. O entorno de Caxias só não recebeu status de maior risco por uma avaliação de que recebe muitos pacientes de outras localidades.
Até o momento, o Estado já experimentou três ciclos de crescimento de casos e internações (embora o país, no geral, tenha passado por duas): a primeira entre junho e julho do ano passado, a segunda entre novembro e dezembro, e a mais recente e grave entre fevereiro e março de 2021. Cada uma apresentou índices piores de hospitalização do que a anterior.
Fatores como o avanço da vacinação e a maior proporção de pessoas que adoeceram e já se recuperaram podem limitar, desta vez, o impacto do vírus. Porém, segundo Suzy Camey, os cerca de 11% da população gaúcha já imunizados com a segunda dose formam uma barreira ainda muito limitada, e cada vez mais se notificam casos de reinfecção — o que pode ser agravado pela eventual entrada de novas variantes como a indiana, já identificada na Argentina.