Há mais perguntas do que respostas quando se fala sobre atrasar a aplicação da segunda dose da CoronaVac para além do período indicado na bula. Não há estudos que calculem o grau de proteção da dose única ou estimem a eficácia da vacina quando a segunda injeção for aplicada após o limite de 28 dias. Ainda assim, especialistas acreditam que pequenas demoras, como as que já ocorrem no Rio Grande do Sul, não devem prejudicar a imunização contra a covid-19.
São 263,8 mil doses necessárias para que o Estado normalize a segunda aplicação da CoronaVac. De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde (SES), faltam 40.470 doses para quem fez a primeira aplicação com a remessa distribuída no dia 20 de março e 223.400 para quem recebeu a primeira injeção a partir da remessa do dia 26 de março. A previsão do Instituto Butantan, produtor da CoronaVac no Brasil, é distribuir mais cinco milhões de doses a partir do dia 3 de maio.
Coordenador da pesquisa que avaliou a eficácia da CoronaVac em voluntários do Rio Grande do Sul, o médico infectologista Fabiano Ramos explica que os estudos em nível nacional foram feitos mediante administração de primeira e segunda dose, com essa sendo aplicada entre 14 e 28 dias após aquela. Os resultados mostraram tendência de proteção maior quando a segunda dose for aplicada depois de 21 dias. Foi dada uma semana a mais e se orientou que as pessoas retornassem aos postos de saúde até o 28º dia. Dentro dessa programação, garantiu-se a eficácia global de 50,38% da vacina.
No entanto, ainda não foi feito estudo que indique o grau de proteção quando se atrasa a segunda dose nem o percentual de eficácia em apenas uma aplicação - a vacina de Oxford, por exemplo, já garante 76% logo na primeira dose, segundo estudo publicado na revista científica The Lancet.
— Foi usada uma janela de 14 a 28 dias para receber a segunda dose, confirmando a tendência de proteção maior para quem recebeu a segunda dose a partir de 21 dias. Mas não temos estudos sobre o tempo prolongado — diz Ramos, que também é chefe do Serviço de Infectologia do Hospital São Lucas da PUCRS.
Na visão dele, as pessoas que ficarem aguardando mais de 28 dias para completar o esquema vacinal da CoronaVac não serão prejudicadas, mas não se sabe quanta proteção terão quanto mais demorar a segunda aplicação.
— Independentemente do tempo que a segunda dose demorar para vir, tem que tomar a segunda dose — diz.
Questionado, o Instituto Butantan diz que a bula indica intervalo de 14 a 28 dias entre as doses, e que o folheto do medicamento é todo em cima dos estudos clínicos baseados neste prazo. O que gera questionamentos em torno de outras formas de administrar a vacina.
— É um grande ponto de interrogação. Não tem como prever se essa segunda dose tardia será de efeito igual, superior ou inferior. Todas as alternativas são possíveis. Mas que as pessoas não deixem de tomar. Certamente qualquer coisa é melhor do que não tomar a segunda dose — diz o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do setor de Infectologia do Hospital Moinhos de Vento, Alexandre Zavascki.
Defensora da CoronaVac quando a vacina era alvo de críticas, a bióloga e microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, acompanhou a divulgação inicial dos dados e chegou a dizer que não era a melhor vacina do mundo, mas era a vacina possível. Para ela, atraso de uma ou duas semanas não vão interferir na imunização.
— Estudo (sobre eficácia mediante atraso da segunda dose) realmente não tem. O que se imagina é baseado em outras vacinas que a gente conhece, que também são de múltiplas doses e a gente sabe que atrasando uma, duas semanas, não vai atrapalhar. O importante é garantir que a pessoa tome a segunda dose. Atrasar não vai abalar a eficácia da vacina. Mas precisa tomar — insiste Pasternak.
Esquema vacinal não deve ser reiniciado
O que não se deve fazer é reiniciar o esquema vacinal por causa do atraso e tomar novamente a primeira dose imaginando que se perdeu proteção. Segundo o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, dose dada é dose computada - máxima que serve para qualquer imunizante.
— A resposta imune é construída a partir do número de doses que se receber, independentemente do prazo, e isso vale para qualquer vacina. O efeito da primeira dose da CoronaVac não vai ser perdido se houver atraso na segunda. Se você ficar com proteção maior, ou menor, ninguém sabe. A AstraZeneca mostrou que intervalo de três meses é melhor do que um — diz.
Aprovada para uso emergencial em um Brasil com hospitais lotados e milhares de mortos por dia, a CoronaVac ainda não tem bibliografia suficiente disponível além do que a ciência comprovou até aqui. Será submetida a mais estudos conforme os desafios forem se apresentando, como o atraso na segunda aplicação.
— Em tempos normais, teríamos toda a calma do mundo para estudar sobre a primeira dose, sobre a segunda dose. Mas foi feito tudo na emergência. Então, ficamos com muitas perguntas em aberto, que vão ser respondidas com o tempo, não tem como evitar - reflete Pasternak.