Um vídeo simples, com ilustrações toscas e uma narração que tenta passar veracidade. Mas, logo nos primeiros 30 segundos, a história ganha contornos absurdos. Numa analogia que compara o efeito da vacina ao de doenças autoimunes no organismo, a apresentação tenta desestimular a única medida verdadeiramente comprovada como eficaz para frear o vírus que assola o mundo desde o final de 2019. Esse é apenas dos materiais com desinformação que circulam continuamente por redes sociais, principalmente, pelo WhatsApp, desestimulando a vacinação contra a covid-19.
O aplicativo de conversas e ligações de áudio e vídeo tornou-se a ferramenta de comunicação mais rápida e eficaz dos nossos tempos. Abrange dos mais jovens aos idosos e permite, em poucos toques na tela, encaminhar mensagens de maneira desenfreada. Dessa forma, as fake news ganham espaço e se dissipam de maneira tão destruidora na realidade virtual quanto o coronavírus em um mundo real.
— É um desserviço sem tamanho para toda nossa luta. E redes sociais como o WhatsApp tem um penetração muito grande na sociedade, com as pessoas escolhendo se informar diretamente por ali e não por meios oficias e confiáveis — lamenta Fernando Ritter, diretor da Vigilância em Saúde de Porto Alegre.
Na Capital, o diretor da Vigilância em Saúde ainda aponta para outro problema, a disseminação de listas falsas com locais de vacinação. Segundo ele, o problema foi mais intenso no início da campanha. Ainda assim, Fernando reforça que os pontos oficiais podem e devem ser pesquisados nos canais da prefeitura e da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
Conscientização
A constante desinformação das redes sociais foi o que trouxe medo para Rejane Lima de Oliveira, 53 anos. Moradora da Vila Elizabeth, na Zona Norte, ela cuida da mãe, Erecina Lima de Oliveira, 84 anos, que vive acamada. Logo que surgiram as primeiras notícias sobre agendamento para vacinação dos idosos acamados, Rejane ainda não se sentia confiante, principalmente, pela enxurrada de informações falsas que via chegar ao seu WhatsApp.
— Recebi a ligação do posto de saúde que poderíamos agendar a vacina da minha mãe, mas eu ainda estava com pé atrás. A gente vê tanta coisa no celular, que fica com medo. Então, tentei olhar mais notícias, procurar mais sobre o assunto e sentir mais confiança — recorda Rejane.
Com Mal de Alzheimer, Erecina precisa de cuidados o tempo todo. Assim, como cuidadora da mãe, Rejane também tinha direito à imunização. Erecina tomou a primeira dose da CoronaVac — a vacina produzida pelo laboratório Sinovac em parceria com o Instituto Butantan no Brasil — no final de janeiro. Rejane soube depois que também poderia ser vacinada. Assim, quando a mãe tomou a segunda dose, no final de fevereiro, a cuidadora recebeu a primeira. Ela se diz tranquila, não sentiu nenhum efeito colateral, assim como a mãe.
— Hoje, sei como é importante para nossa proteção. E mesmo que venhamos a contrair o vírus, por estarmos vacinados, a chance de ter complicação será menor, eu penso assim. Em todo caso, é melhor tomar. Aconselho a todos que tem medo que se informem, tomem a vacina, todos que podem e tem a oportunidade, não deixem de se imunizar — alerta ela.
Espera
Auxiliar de enfermagem aposentada, Ana Maria Batista Valentino, 69 anos, defende a vacinação com unhas e dentes. Sua mãe, Arsélia Gomes da Silva, 86 anos, já tomou as duas doses da CoronaVac. Agora, Ana é quem aguarda sua vez de ser vacinada, ansiosamente.
Integrante ativa de grupos comunitários, ela também relata como conteúdo com desinformação se disseminam de maneira veloz nestes espaços. Ainda assim, a profissional da saúde aposentada faz questão de buscar informações confiáveis para repassar adiante. Conforme Ana, sua mãe também segue em campanha ativa, por telefone, para que as amigas se vacine. Mesmo ao 86 anos, Arsélia participa de diversas atividades na Restinga, bairro onde a família mora.
— O único sintoma que a mãe teve depois de tomar a vacina foi felicidade. Ela é muito ativa, mora sozinha até hoje. E já está sonhando em conseguir se reunir com os amigos no final do ano, para uma tradicional festa do grupo da terceira idade que eles mantém aqui — diverte-se Ana.
Vírus não escolhe bairro ou classe social
Em Porto Alegre, conforme dados da Secretaria Municipal de Saúde, foram aplicadas 182.346 vacinas até o dia 11 de março. Destas, 124.723 são primeira dose e outras 57.623 a segunda dose, completando a imunização. Na primeira dose, 85,30% do público-alvo da primeira fase do Plano Municipal de Imunização (PMI) já foi contemplada. Na segunda dose, que está iniciando, já está em 39,41%.
Os grupos incluídos na primeira fase do PMI são profissionais da saúde, idosos com 78 anos ou mais, idosos acamados, idosos e pessoas com deficiência em lares de longa permanência, indígenas e quilombolas. A segunda dose é essencial para que a eficácia seja a maior possível. Assim como no resto do país, a Capital tem duas vacinas em uso, a CoronaVac e a Oxford/Fiocruz. A primeira tem intervalo entre doses de 28 dias, e a segunda, de 12 semanas.
— A gente tem usado mais a CoronaVac, que é a mais enviada pelo governo federal e, em Porto Alegre, representa mais da metade das doses já aplicadas — pontua Fernando Ritter.
Dados
O diretor da Vigilância em Saúde aponta que a prefeitura ainda não tem dados sobre locais que mais procuraram a vacina, pois os pontos de vacinação da cidade estão distribuídos de forma a atender pessoas de várias regiões em um mesmo local. Entretanto, ele aponta que o georreferenciamento de casos, feito pela prefeitura desde o início da pandemia, demonstra localidades onde a incidência de casos é ainda maior.
E, conforme os dados, mesmo bairros da periferia muito populosos ficam atrás de locais economicamente mais favorecidos. A Restinga, por exemplo, tem 53.508 habitantes e registrou 3.087 casos até a última sema de fevereiro, dado mais recente no site da SMS. Um média de 57,69 casos para cada 100 mil habitantes. Enquanto isso, o Passo da Areia, com 21.968 habitantes, teve 1.868 casos, uma média 85,03 contaminações para cada 100 mil moradores.
— Temos feito ações de mídia focando e variando os locais da cidade, rádios comunitárias, imprensa local, postos de saúde, temos dialogado muito com esse público. Olhando os dados, ainda assim, áreas economicamente favorecidas estão com muita contaminação, como bairros Auxiliadora e Bom Fim, por exemplo. Por vezes, pessoas acham que por ter melhor qualidade de vida, alimentação, condição econômica, estão mais seguros. Mas, o vírus não escolhe faixa econômica ou classe social — pontua Fernando.
Esclareça suas dúvidas
/// Quais vacinas estão sendo aplicadas?
Atualmente, o Brasil aplica duas vacinas. A Vacina de Oxford, produzida em parceria com a Fiocruz no Brasil, e a CoronaVac, produzida em parceria como Instituto Butantan no Brasil. As duas necessitam são aplicadas em duas doses. O intervalo varia, a CoronaVac deve ter, no mínimo, 28 dias entre uma dose e outra. Já para a Vacina de Oxford, o intervalo é de 12 semanas.
/// Porque são necessárias duas doses e porque o intervalo é diferente entre elas?
Durante os testes, são feitas aplicações de diferentes maneiras e tempos. O resultado destes testes aponta quais as janelas em que o imunizante atinge maior eficácia, definindo como ele deve ser usado. As duas vacinas disponíveis atualmente no país necessitam de duas doses, mas também há outras que podem ser aplicadas em apenas uma vez.
/// A segunda dose da vacina está garantida para todos que já tomaram a primeira?
Sim. De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS), a segunda dose está garantida. Os frascos vêm sendo reservados desde a chegada das primeiras remessas. A imunização só é considerada completa com as duas aplicações.
/// Se eu não receber a segunda dose na data correta, a vacina perde o efeito?
Não. O que importa, ressalta Fernando Ritter, da Vigilância em Saúde de Porto Alegre, é fazer a segunda dose para completar o esquema de vacinação e atingir o maior nível de proteção possível.
/// Idosos acamados e residentes em asilos precisam se preocupar em agendar a segunda dose?
Não. As equipes de saúde dos municípios têm o controle das datas para aplicar a segunda dose e retornam aos locais para concluir a vacinação.
/// E para os idosos que foram aos postos e drive-thrus? Qual é a orientação?
A orientação é para que, no prazo indicado na carteira de vacinação, compareçam aos postos de saúde com a carteira e um documento. Basta fazer isso para obter a segunda dose.
/// Mesmo que eu já tenha tomado a primeira dose e esteja prestes a tomar a segunda, preciso continuar usando máscara?
Sim. É importante continuar mantendo os cuidados contra o coronavírus. Primeiro, porque o seu esquema vacinal ainda não está completo. Em segundo lugar, porque, mesmo com vacina, você pode contrair o vírus, ainda que a doença não se manifeste de forma grave. Se você for infectado e não usar máscara nem mantiver o distanciamento social, poderá disseminar a covid-19 e atingir pessoas que ainda não fizeram a vacina.
/// Quem tomou a primeira dose em um posto pode tomar a segunda em outro, na Capital?
Sim. O importante é que seja administrado o mesmo imunizante da primeira dose.
/// É possível tomar a primeira dose de uma vacina e a segunda de outra?
Não. A pessoa que recebeu a primeira dose da Coronavac deve tomar a segunda dose da mesma. A mesma coisa para quem recebeu a primeira dose do imunizante da Oxford.
/// Todo mundo que é vacinado na primeira dose está recebendo carteirinha já com a data da próxima?
Não. Alguns pontos de atendimento estão informando a data prevista para a segunda dose e outros não. De acordo com o Diretor de Vigilância em Saúde de Porto Alegre Fernando Ritter, é importante que o imunizado conte 28 dias a partir do dia posterior que tomou a vacina e, a partir disso, procure um posto de saúde para tomar a segunda dose.