Considerado raro, o caso de infecção por sars-cov-2 em um gato de Caxias do Sul, na serra gaúcha, não deve causar preocupação quanto à transmissão para humanos, garantem especialistas. Na segunda-feira (22), foi divulgado que o animal teve diagnóstico positivo para o vírus que provoca a doença covid-19 em humanos. Apesar de incomuns, registros semelhantes já foram feitos em outros países e, inclusive, em cachorros. O que se sabe, no entanto, é que os bichos domésticos não fazem parte do ciclo de transmissão do vírus, ou seja, não transmitem para seus donos. Entenda:
O diagnóstico
Depois de apresentar dificuldade respiratória e perda da condição corporal, o felino foi encaminhado para atendimento veterinário. Como os tutores do animal haviam testado positivo para covid-19 nas semanas anteriores, o gatinho foi submetido à testagem. A análise da amostra, feita pelo teste PCR e com contraprova, sinalizou infecção por sars-cov-2.
— Não posso confirmar que foi uma pneumonia causada pelo sars-cov-2. Há possibilidade de que outros agentes possam ter causado o quadro e isso (a infecção por coronavírus) foi secundário. Mas o histórico do caso me leva a crer que o sars-cov-2 teve papel prioritário, pois fecharia com o período de incubação do vírus — sugere André Felipe Streck, professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e coordenador do Laboratório de Diagnóstico em Medicina Veterinária.
A amostra também passa por sequenciamento e outras análises para ver se o material do trato respiratório inferior continha partículas virais ativas infectantes.
— As evidências de estudos prévios indicam que esses felinos, possivelmente, tenham carga viral muito pequena — completa Streck.
O que dizem os estudos?
Poucos meses depois de declarada pandemia, em maio de 2020, um estudo publicado no periódico Nature relatou casos de cães infectados em casas de pessoas que testaram positivo para a covid-19 em Hong Kong. Dos 15 animais examinados, dois estavam infectados pelo sars-cov-2. Na época, o que os pesquisadores sugeriram é que a transmissão homem-animal poderia acontecer, no entanto, não estava claro se o inverso era verdadeiro.
Passado quase um ano desse trabalho, as evidências científicas sobre o tema não parecem ter mudado. Recentemente, Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, da sigla em inglês) atualizaram seus pareceres sobre o assunto. A OIE é enfática ao descrever que “não há evidências de que os animais de companhia estejam desempenhando um papel epidemiológico na disseminação de infecções humanas por sars-cov-2". O CDC, por sua vez, diz que a maioria dos registros ocorreu após os animais terem contato próximo com humanos contaminados. E complementa: “Com base nas informações limitadas disponíveis até o momento, o risco de os animais disseminarem a covid-19 para as pessoas é considerado baixo”.
Em uma ficha técnica atualizada em janeiro, a OIE detalhou o grau de suscetibilidade de caninos e felinos à infecção por sars-cov-2 e também a capacidade de transmissão deles. De acordo com o documento, os gatos têm alta suscetibilidade à infecção (natural e em laboratório), porém, só transmitem o vírus entre felinos. Já os cães têm baixa suscetibilidade (natural e em laboratório) e não transmitem o sars-cov-2.
— Temos menos de 10 detecções no Brasil. Claro que tudo muda, mas por enquanto, os gatos não participam como transmissores. Eles são vítimas do processo — destaca Fernando Spilk, professor de virologia do curso de Medicina Veterinária da Feevale.
Estudo nacional descarta transmissão
O estudo multicêntrico PET Covid – conduzido por universidades federais brasileiras de seis capitais e com o objetivo analisar o risco de transmissão homem-animal – encontrou os mesmos achados das pesquisas internacionais, descartando a disseminação de sars-cov-2 de felinos e caninos para humanos.
— Até agora, após todos esses meses de pandemia, os resultados que temos nos levam a concluir que cães e gatos não participam do ciclo de transmissão do vírus. Embora se infectem e possam demonstrar alguns sinais respiratórios ou digestivos, no geral, não se detecta mais o vírus no animal após três a 15 dias, dependendo da espécie — disse o coordenador do estudo, Alexandre Biondo, em dezembro, ao site da UFPR.
O trabalho brasileiro, anunciado em outubro de 2020, também afirma que não há relatos de doenças em espécies animais provocadas pelo sars-cov-2. Isto é, a covid-19 afeta apenas humanos.
Cuidados
Biondo acrescenta que essa contaminação entre humanos e animais ocorre acidentalmente, por meio do contato com gotículas da pessoa infectada. Dessa forma, a recomendação é, quando infectado, o tutor deve evitar contato com seus pets.
— Assim como se faz distanciamento das outas pessoas da casa quando se está positivado, o ideal é fazer o mesmo com os animais. Não é jogar para a rua, mas ter menos contato, não dormir junto, fazer menos carícias para evitar que eles peguem — indica Spilk.
Caso não seja possível evitar o contato, o CDC indica que medidas de higiene e proteção, como uso de máscara, sejam reforçadas. Outra orientação é evitar que os animais de pessoas infectadas tenham contato com pessoas de fora do domicílio.