O número de mortes provocadas pela covid-19 no Rio Grande do Sul, ao longo de 12 meses, já equivale a mais da metade do número de vítimas da aids no Estado em 23 anos.
Conforme a série histórica do Ministério da Saúde, 30.644 pessoas morreram da enfermidade causada pelo vírus HIV entre 1996 e 2019 no RS, o ano mais recente do qual se tem dados. Na tarde deste sábado (20), o painel de monitoramento da Secretaria Estadual da Saúde (SES) marcava 16.814 óbitos por coronavírus, montante equivalente a 54,86% do número total de vítimas da aids na história do RS.
Aproximadamente 14,4 mil gaúchos tiveram suas vidas ceifadas pela aids entre 1996 e 2007, doença que teve seu primeiro caso registrado na década de 1980. Nos últimos anos, porém, os números estão em patamar de estabilidade: no período de 2008 a 2013, a média anual de óbitos foi de 1.426. Já entre 2014 e 2019, foi de 1.270 mortes por ano. A taxa de mortalidade também teve queda: em 2008 era de 13,3 mortes a cada 100 mil habitantes, coeficiente que passou para 9,8 em 2019.
Por se tratar de uma doença crônica, após a contaminação pelo HIV, o portador pode levar anos para apresentar sintomas da aids (sendo que há casos em que a doença não se manifesta). Este é um dos pontos principais de diferença com relação ao coronavírus, que pode provocar uma enfermidade aguda, manifestada cerca de seis dias após contaminação, velocidade que contribui para o cenário de esgotamento do sistema de saúde observado hoje no Rio Grande do Sul.
— Em termos de letalidade, sem tratamento, o HIV levava de 95% a 99% das pessoas à morte. Com a covid-19 é o contrário, só uma minoria evolui para casos graves. Mas o problema é que, no jogo das pragas, o vírus mais transmissível da face da terra é o que vai pelo ar. A quantidade de pessoas infectadas pela covid é gigantesca e, com a saúde em colapso, a taxa de mortalidade aumenta — explica Eduardo Sprinz, chefe de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
O cientista de dados e professor do Instituto de Informática da Universidade Federal do RS (UFRGS) João Luiz Dihl Comba, que desenvolveu uma ferramenta para projetar números da pandemia, calcula que, se o número de mortes no Estado seguisse aumentando na taxa atual, passaria do total de mortos pela aids até hoje em apenas um mês. Mas, para ele, o ritmo de óbitos deve cair.
— Uma previsão, hoje, para daqui a 30 dias é muito pessimista, pois assume que o número de mortes cresceria exponencialmente na mesma taxa atual. Mas, se isso se mantiver, deveríamos passar dos 30.644 óbitos no em 19 de abril — disse.
O professor projeta que, até o final de março, o RS chegará ao patamar de 20 mil mortes por coronavírus.
Óbitos no Brasil
Olhando para os dados nacionais, o número de mortes provocadas pela covid-19 superou, em 16 de março de 2021, o de óbitos por aids em 23 anos, que é de 281.156 pessoas. Naquele dia, o Brasil chegou ao patamar de 282.127 mortes por coronavírus. De acordo com o infectologista Eduardo Sprinz, o fator decisivo no combate à aids no Brasil é o tratamento com coquetéis antirretrovirais, medicamentos que ajudam a evitar o enfraquecimento do sistema imunológico.
— Ela passou a ser uma doença controlável e, no cenário atual, quem tomar os remédios não morre de aids. Uma das minhas grandes esperanças é que, num futuro não muito distante, a gente possa ofertar antivirais específicos contra a covid-19, mas isso ainda não temos, no momento. Desejo que a covid venha a ser como a aids e tenha tratamento inequívoco e que altera totalmente a infecção, fazendo com que não evolua para formas graves — comentou.