Uma das maiores esperanças de cura da aids, síndrome que já matou mais de 32 milhões de pessoas no mundo, foi desenvolvida no Brasil e tem como base um supertratamento que utiliza uma combinação de diferentes remédios com uma vacina produzida com DNA do próprio paciente.
Essa vacina "inteligente" ensina o sistema imunológico a localizar e eliminar o HIV em regiões do corpo em que medicações já conhecidas não conseguem atuar de forma eficaz.
Segundo informações preliminares, um homem que vivia há sete anos com o vírus recebeu essa combinação de medicações e está há 17 meses sem sinal dele no organismo após a interrupção da terapia inovadora. Como os resultados detalhados estão sob embargo até a apresentação do trabalho na Conferência Internacional de Aids, nesta terça-feira (7), a expectativa entre outros pesquisadores e profissionais envolvidos no combate à aids é saber até que ponto esse sucesso obtido a partir de uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) poderá ser repetido com outros homens e mulheres.
— Há alguns anos, uma pessoa reverteu a sorologia (eliminou o vírus) nos Estados Unidos, mas depois se viu que foi algo único, talvez por alguma característica individual. Crianças que nascem com o vírus por transmissão da mãe também conseguem eliminá-lo. A expectativa é para saber se o resultado da pesquisa pode ser aplicado em outras pessoas, e se não há o risco de uma recidiva (reaparecimento), como ocorre com o câncer, por exemplo. Aí poderemos falar de uma cura. De qualquer forma, a notícia é ótima — analisa a coordenadora-executiva do Fórum ONG/Aids do Rio Grande do Sul, que reúne 52 entidades ligadas ao tema, Márcia Leão.
A esperança é grande porque se trata do primeiro tratamento a obter esse tipo de resultado além de outros dois casos recentes que envolveram transplante de medula — estratégia mais difícil e com mais impactos colaterais. O que se sabe até o momento é que a fórmula desenvolvida no Brasil sob a coordenação do pesquisador Ricardo Sobhie Diaz atua em duas frentes principais.
Uma delas, segundo relatou em julho de 2018 a revista científica da Unifesp Entreteses, combina medicamentos que matam o vírus no momento da replicação e eliminam as células em que o HIV fica “adormecido”. A outra é uma vacina que consegue “ensinar” o organismo do paciente a encontrar as células infectadas e destruí-las, varrendo o HIV do corpo.
Chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e amigo de Diaz, o infectologista Eduardo Sprinz revela que a pesquisa paulista dividiu os 30 voluntários em subgrupos que receberam diferentes variações do tratamento.
— O grupo de seis pessoas que apresentou os resultados mais promissores contou com uma combinação de uma série de medicações com a vacina. Um dos participantes não apresentou mais sinal do vírus, mas não sei da situação dos demais — afirma Sprinz.
Essas e outras questões deverão ser respondidas a partir desta terça-feira. Uma próxima etapa da pesquisa deverá selecionar 60 pessoas e incluir mulheres (até então, apenas homens participaram). Márcia Leão ressalta que, apesar das boas notícias, elas não devem servir como desculpa para reduzir cuidados como fazer sexo sem proteção:
— É fundamental que as pessoas sigam tomando todas as precauções para não se contaminar.
Confira, a seguir, um resumo do que se sabe até o momento sobre como funciona a receita brasileira que pode revolucionar o combate à aids no mundo.
A estratégia brasileira para vencer o HIV
- Foram selecionados 30 voluntários com níveis já baixos de HIV no organismo por estarem sob tratamento com o tradicional “coquetel” de remédios que combate o vírus da aids. Nessa condição, em que o HIV é considerado “indetectável”, as pessoas não são mais transmissoras, mas ainda estão com ele no organismo.
- Os participantes foram divididos em subgrupos que receberam diferentes versões do tratamento. A mais promissora mantinha a administração do “coquetel” tradicional contra o HIV somada a outras substâncias.
- O grupo do paciente que se livrou do HIV recebeu mais dois antirretrovirais (que combatem o vírus): o dolutegravir (droga mais forte disponível no mercado) e o maraviroc — substância que força o vírus “escondido” em diferentes partes do organismo a aparecer.
- Além disso, foram administradas outras duas substâncias que potencializam o efeito dos medicamentos: a nicotinamida, que impede o HIV de se esconder nas células, e a auranofina — antirreumático que deixou de ser usado há alguns anos mas se mostrou capaz de encontrar células infectadas e levá-las a “cometer suicídio”.
- Ainda faltava encontrar algo que ajudasse o sistema imunológico a combater o vírus. Foi desenvolvida uma vacina que utiliza DNA do próprio paciente para “ensinar” o organismo a encontrar células infectadas remanescentes e eliminar completamente o HIV.
- A vacina faz com que células de defesa do corpo aprendam a encontrar e matar o HIV em regiões do corpo chamadas “santuários”, como cérebro, intestinos, ovários e testículos, em que os antirretrovirais não conseguem chegar ou não atuam de maneira eficiente
Fonte: Unifesp