Ao longo de fevereiro, 75% dos pacientes internados em unidades de terapia intensiva (UTIs) do Rio Grande do Sul com coronavírus morreram apesar de terem conseguido o melhor atendimento disponível nos hospitais.
A cifra registrada neste mês é a mais alta desde o começo da pandemia no Estado, por razões que ainda não são claras para a Secretaria Estadual da Saúde (SES) ou para especialistas. Uma das hipóteses, ainda sem comprovação, é de que novas linhagens do vírus estejam intensificando a gravidade da doença ao mesmo tempo em que há o descuido com medidas de prevenção como o distanciamento social.
A taxa de óbitos costumava oscilar ao redor de 50% ao longo da maior parte do ano passado, e chegou a dois terços dos doentes hospitalizados em estado grave em dezembro e janeiro. Agora, deu um salto que surpreendeu e deixa em alerta máximo os técnicos e gestores da SES.
— Hoje, esse número (proporção de óbitos) está aumentando. Sem considerar que muitos contaminados não chegarão a uma UTI porque não teremos mais leitos de UTI — afirmou a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, em reunião com representantes da Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs) na tarde desta quinta-feira (25), em referência ao rápido agravamento da pandemia.
A secretária declarou que ainda não estão claras as razões para esse fenômeno:
— A quantidade de pacientes que se recuperam está caindo em dezembro, janeiro e fevereiro. Algo muito estranho, que não conseguimos que a ciência nos explique, está acontecendo.
Uma das hipóteses, segundo o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Paulo Petry, é que o cenário atual esteja sofrendo o impacto de novas linhagens do coronavírus, como a P1 (descoberta em Manaus e associada a um maior grau de contaminação) e a P2, identificada no Rio de Janeiro e predominante hoje no Estado.
— A elevação na mortalidade pode ter relação com um aumento da gravidade da infecção, mas ainda é uma hipótese. Temos equipes extremamente qualificadas que estão sob esgotamento físico e mental, mas que não justificaria um aumento tão dramático — avalia Petry.
O virologista e professor da Universidade Feevale Fernando Spilki também acredita que variações do coronavírus podem ajudar a explicar o momento atual, entre outros fatores como o descuido com medidas de prevenção como distanciamento social e redução na mobilidade.
— Para mim, resta pouca dúvida de que, associado a questões de falta de cuidado de prevenção, temos provavelmente efeito dessas variantes que estão chegando, principalmente a P1. Ainda não detectamos a variante britânica (outra linhagem considerada perigosa), mas a tendência é que tenhamos em breve. Já encontramos em oito Estados diferentes no país. Isso projeta um cenário de uma epidemia de grandes proporções — analisa Spilki.
A despeito das dúvidas sobre as razões da alta mortalidade nas alas de tratamento intensivo no Rio Grande do Sul, os dados da SES indicam que uma política baseada na tentativa de ampliação de leitos não conseguirá evitar um alto número de vítimas.
— Precisamos tentar uma estratégia para salvar vidas. Do jeito que estamos indo, está cada dia mais difícil — sustentou Arita, pouco antes de o governador Eduardo Leite confirmar a suspensão do sistema de cogestão que permitia abrandar as restrições previstas no sistema de distanciamento controlado.