Em meio à lentidão e informações desencontradas do Ministério da Saúde para coordenar a compra e distribuição de vacinas contra o coronavírus, Palácio Piratini e prefeitos gaúchos arregaçam as mangas e correm para articular um plano B. O objetivo, dizem as autoridades, é não deixar a população desassistida caso haja falhas na logística federal.
Com base na campanha de vacinação contra a gripe, o Ministério da Saúde estima que 4,1 milhões de gaúchos dos grupos prioritários sejam imunizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo estimativa repassada na quarta-feira (9) para a Secretaria Estadual da Saúde (SES), a qual GZH teve acesso.
A estimativa não leva em conta nenhuma vacina específica nem aponta prazo para o início da vacinação promovida pelo governo federal. Na primeira etapa da campanha, entrariam 971 mil pessoas. O maior grupo beneficiado, no primeiro momento, seria o de profissionais da saúde, com 361,2 mil pessoas. Também entrariam 326 mil idosos com 80 anos, 260,6 mil idosos entre 75 e 79 anos ou mais e 23,5 mil indígenas.
Em uma segunda etapa, entrariam 1,5 milhão de idosos entre 75 e 79 anos e a população indígena. Em uma terceira, seria imunizadas mais de 1,4 milhão de pessoas com comorbidades, incluindo diabetes, obesidade e doenças renais, cardíacas e respiratórias.
Em uma quarta fase focada em grupos prioritários, entrariam 176 mil pessoas, dentre professores, forças de segurança, funcionários do sistema prisional e adolescentes em medida socioeducativa.
Nesta sexta-feira (11), o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, afirmou que Pazuello teria lhe dito que toda e qualquer vacina registrada e aprovada no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) será comprada e distribuída de forma centralizada pelo governo federal. Mais tarde, o ministro negou que isso vá ocorrer.
O Palácio Piratini está confiante de que o Ministério da Saúde coordenará a a vacinação no Brasil, sob o risco de Estados mais ricos vacinarem mais do que Unidades Federativas mais pobres e de que governos regionais arquem, em meio à crise econômica, com os pesados custos financeiros de uma campanha massiva de vacinação.
Mas, caso o governo federal descumpra a promessa e atrase a aquisição e distribuição das doses, há um plano B: o governador Eduardo Leite já firmou convênio para comprar diretamente a CoronaVac, a vacina produzida no Instituto Butantan, em São Paulo, com a companhia chinesa SinoVac. A capacidade do laboratório é de produzir 1 milhão de doses por dia – a produção começou na quinta-feira (10).
O Piratini busca fugir de brigas políticas e articula a chegada o mais rápido possível de uma vacina eficaz, segura e aprovada pela Anvisa.
— Se tiver que ser esse plano B, nós vamos fazê-lo de forma integrada e coordenada com os municípios. Se não tiver coordenação nacional, haverá coordenação estadual. Somaremos esforços para executar em conjunto, porque o governo do Estado é responsável por proteger 11 milhões de cidadãos. Mas nós continuamos com a esperança e confiança de que a coordenação seja nacional — observa em entrevista a GZH a secretária de Saúde do Rio Grande do Sul, Arita Bergmann.
Questionada sobre uma estimativa para início da vacinação contra o coronavírus no Rio Grande do Sul, Arita projeta o primeiro trimestre.
— Eu diria que no primeiro trimestre as vacinas têm que estar colocadas nas Unidades Básicas de Saúde. Quando eu falei abril (em entrevista à Rádio Gaúcha na quarta-feira), era uma expectativa conservadora. Mas, no primeiro trimestre, a campanha tem que estar em execução. Vamos viabilizar a chegada das doses da AstraZeneca e a vacina do Butantan. Não nos preocupa a origem da vacina. O Butantan é um patrimônio do Brasil reconhecido internacionalmente, assim como a Bio-Manguinhos da Fiocruz (responsável por produzir a vacina de Oxford da AstraZeneca) — afirmou.
A vacina da Pfizer também está na mira dos Estados. O governador do Piauí, Wellington Dias, representando todos os 27 governadores do Brasil, enviou à Anvisa pedido de validação emergencial – o imunizante já foi aprovado por um comitê do órgão regulador dos Estados Unidos.
O pedido foi feito com base na Lei Covid, que estipula à Anvisa o prazo de 72 horas para conceder a autorização caso um imunizante tenha conseguido registro no Japão, nos Estados Unidos, na Europa ou na China.
Espera pela União
A expectativa do Piratini é de que a União ponha logo na rua o Plano Nacional de Imunização (PNI), que existe há 47 anos e é reconhecido como um dos melhores programas do mundo a vacinar pessoas gratuitamente. Há 36 mil salas de vacinação espalhadas pelo país. Além de coordenar a compra, a liderança do Planalto eximiria Estados dos altos custos de imunizar seus habitantes.
A vacina de Oxford, produzida pela AstraZeneca e aposta do governo federal, deve custar cerca de 3 dólares a dose. A CoronaVac, do Instituto Butantan e da chinesa SinoVac, 10,30 dólares a dose, e a da Pfizer, 19,5 dólares a dose. Todas exigem duas aplicações por pessoa. Nenhuma foi aprovada, sequer para uso emergencial, pela Anvisa.
A análise para a liberação à população no geral leva até 60 dias, mas para o uso emergencial (focado em alguns grupos, como profissionais da saúde), leva menos, sem prazo definido. O Instituto Butantan deve entregar estudos para solicitar o uso emergencial no início da semana que vem. O plano nacional de vacinação contra a covid só será colocado na rua após a aprovação de um imunizante pela Anvisa, já informou o Ministério da Saúde.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou na segunda-feira (7), em rede social, que a vacina contra a covid-19 que for certificada no Brasil será distribuída de forma gratuita para toda a população de forma não obrigatória. Em outra oportunidade, o ministro Pazuello afirmou que o governo não conseguirá vacinar todos os brasileiros.
Em reunião com governadores, o ministro ainda informou que a vacinação no Brasil só começará a partir do fim de fevereiro e que o Ministério prevê 260 milhões de doses da AstraZeneca produzidas pelo Instituto Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, para 2021 – 15 milhões em janeiro, 15 milhões em fevereiro e chegando a 100 milhões até junho.
Somadas às 42,5 milhões de doses do consórcio Covax, liderado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para países em desenvolvimento, com as 70 milhões de doses da Pfizer (este acordo ainda não está garantido), seriam 370 milhões de doses contra a covid, o suficiente para 185 milhões de brasileiros.
Prefeitos também se articulam
Para além do governo do Estado, prefeitos gaúchos também firmaram acordo com o Butantan. A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) e a Associação de Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (Granpal) foram até São Paulo para assinar, na quinta-feira (10), outro convênio para comprar a CoronaVac.
O presidente da Famurs e prefeito de Taquari, Maneco Hassen, diz que os municípios também esperam que o governo federal coordene a compra das vacinas, mas que o convênio com o Butantan, além de assegurar doses para gaúchos, pressiona o Ministério da Saúde a apressar a articulação.
— O Ministério da Saúde tem que oferecer vacina o mais rápido possível. Mas não temos segurança nas informações do governo federal, o ministro (Pazuello) faz os anúncios, só que até agora não tem nenhum dado objetivo comprovando o que fala. O Butantan é nosso plano B. Diante da omissão do governo federal, os custos serão suportados entre municípios e governo do Estado — afirma o presidente da Famurs.
De acordo com Hassen, o convênio firmado com o Butantan não prevê um número de vacinas a serem enviadas a municípios, mas que prefeituras possam solicitar, em janeiro, doses da CoronaVac para fevereiro. O repasse depende da capacidade de produção do laboratório – o presidente da Famurs diz que há acordos com cerca de 900 municípios, incluindo os 497 gaúchos.
— O Butantan nos abriu para fazer a encomenda em janeiro. Se chegar janeiro e o governo federal não tiver data para início da vacinação ou que será só em abril, aí será o gatilho para comprarmos do Butantan e começarmos a vacinar em fevereiro. Cada dia que deixamos de vacinar são mais pessoas morrendo — acrescenta o presidente da Famurs.
A presidente da Granpal e prefeita de Nova Santa Rita, Margarete Simon Ferreti, cita que a articulação do Rio Grande do Sul com o Butantan foi rápida e que, além de São Paulo, apenas Santa Catarina está à frente.
— Se a vacina estará pronta na segunda quinzena de janeiro, por que não no início de fevereiro começar a vacinação das pessoas? Munícipios vão esperar até no fim de janeiro para aguardar resposta do Ministério anunciando calendário e vacinas. Se demorar ou for um número muito reduzido de doses, vamos agir — diz Margarete.
Ela acrescenta que haverá uma reunião na semana que vem com o governador Eduardo Leite para alinhar o plano B entre prefeituras e Piratini.
— Se o governador comprar, não tem por que os municípios comprarem. Vamos avançar nessa questão e ver quando doses ele poderá comprar e se tem um limite para que, a partir daí, os municípios que tiverem recursos possam adquirir mais — acrescenta a presidente da Granpal.
Planos para a logística
O governo gaúcho já tem um plano estadual de vacinação quase pronto, que depende de informações do Ministério da Saúde sobre calendário e quantitativo de doses a serem repassadas. A logística já está organizada para não atrasar a aplicação.
A Secretaria Estadual da Saúde, por exemplo, está comprando 42 novas câmaras de conservação para as 18 coordenadorias regionais (subdivisões do governo do Estado em diferentes partes do território), necessárias para reforçar a estrutura de armazenamento, uma vez que outras vacinas do calendário nacional seguirão sendo estocadas e aplicadas.
O Piratini também está adquirindo 308 câmaras de conservação para cidades de até 100 mil habitantes.
O governo também está em contato com municípios para fazer uso de uma verba de R$ 2 milhões, disponibilizada pelo Ministério da Saúde, para o plano de aplicação da vacina – o dinheiro pode ser usado para equipar postos de saúde com computadores, necessários para arquivar os dados de brasileiros que terão que tomar mais de uma dose.
Para os insumos, o Rio Grande do Sul já tem 4,2 milhões de seringas e organiza a compra de mais 10 milhões, o que estima ser suficiente para vacinar os grupos prioritários. Para além disso, a Secretaria Estadual da Saúde está organizando cursos para capacitar novos prefeitos e secretários que assumirão em 2021 e que podem não ter experiência em campanhas de vacinação.
Em meio às preparações, a secretária de Estado do Rio Grande do Sul faz um último pedido aos gaúchos: que evitem aglomerações e usem máscaras.
— O governo do Estado está diretamente em contato com o Ministério da Saúde na expectativa de viabilizar o mais rápido possível a entrega das vacinas. Mas, enquanto não tiver vacina, a população precisa se cuidar. Estamos chegando a um limite de capacidade de oferta de leitos, especialmente de UTI. A vacina é proteção, mas as pessoas também têm que respeitar seu próximo — observa Arita Bergmann.