Ao contestar com firmeza a classificação de bandeira vermelha recebida pelo governo do Estado na última sexta-feira (13), a prefeitura de Porto Alegre chamou a atenção para características do sistema de distanciamento controlado que, no ponto de vista do município, precisariam ser revistas no futuro próximo da pandemia.
Na segunda-feira (16), o Palácio Piratini aceitou o recurso da prefeitura, e a Capital se manteve na bandeira laranja. Ainda assim, na opinião do secretário municipal de Saúde, Pablo Stürmer, o modelo requer ajustes que levem em conta a necessidade de conviver com o coronavírus no dia a dia. Um deles diz respeito ao peso da disponibilidade de leitos de UTI para a covid-19.
— Passados oito meses, é preciso retomar outros atendimentos em meio ao combate à pandemia, o que é uma orientação da própria secretaria estadual. Então, não vou deixar leitos de UTI parados. Posso usá-los para recuperação de cirurgias. Se houver necessidade, cancelar novos procedimentos e mais uma vez mobilizar esses leitos para a covid-19.
O secretário compara o número de leitos de UTI à disposição para a covid-19 ao tamanho de uma pista para frenagem de um veículo. Se há uma forte aceleração, é preciso mais deles. Mas o indicador é menos fundamental se o veículo estiver a uma velocidade estável, como a atual fase da pandemia. Nesta terça-feira (17), três leitos covid foram reativados no Hospital de Clínicas a pedido da secretaria.
Outro apontamento diz respeito a um dos indicadores que mais pesa na classificação dos municípios, a chamada projeção de óbitos. O índice já foi elaborado em uma tentativa de otimizar a classificação com base nas mortes pela doença. Como a morte é um indicador tardio, o sistema elaborou um cálculo que projeta a quantidade de óbitos com base na ocupação das UTIs. Porém, para Stürmer, o indicador é pouco preciso.
— Fiz uma comparação entre a projeção e os óbitos que de fato aconteceram. Na última semana de outubro, ele projetou 13% a mais de óbitos. Na primeira de novembro, 16% a menos de óbitos. Já nessa última semana, quando recebemos a classificação preliminar de bandeira vermelha, o erro foi recorde: projetou 37% a mais de óbitos. Jogar uma moeda talvez fosse melhor — declara o secretário.
Também haveria um problema de precisão ao levar em conta os números de uma quinta-feira para a outra para o cálculo da ocupação das UTIs. Na última classificação, Porto Alegre acabou penalizada por um crescimento artificial, em razão de, na primeira data, ter ocorrido um esvaziamento atípico justamente na quinta-feira anterior. A prefeitura aponta que o ideal seria levar em conta a média das últimas semanas.
Critério
Embora faça críticas e apontamentos, a prefeitura salienta que não há contestação ao uso do modelo do distanciamento controlado como um todo. Ou rusgas com o governo do Estado.
— São problemas que vão surgir naturalmente quando se tenta aplicar um modelo único para mais de 400 municípios. Você vai acertar na média, mas sempre pode prejudicar quem está nos extremos. É o caso de Porto Alegre, que tem três vezes mais habitantes do que o segundo município mais populoso — aponta Stürmer.
Por esse raciocínio, o secretário entende que o modelo deveria, nesta fase da pandemia, mais sinalizar do que determinar restrições às prefeituras. Para tal, faz uso de mais uma analogia, tomada de empréstimo do prefeito Nelson Marchezan.
— O modelo deveria servir como uma bandeira sobre a casinha de salva-vidas. É uma sinalização, mas você não deve ser retirado da água só porque ela está vermelha se não estiver se comportando de forma arriscada. Cada município sabe da sua capacidade — compara.
Desde o início da pandemia, já foram sete ajustes no modelo elaborado pelo Piratini.